Após concluir Sr. e Sra. Smith, a série, eu
quis rever o filme de 2005, no qual é inspirada, com Brad Pitt e Angelina
Jolie, para efeito de comparação. O filme foi um desses que demorei bastante a
assistir, e só o havia feito uma vez. Lembro de ter pensado que parecia ser
apenas um enorme comercial de perfume, no qual o casal mais bonito de Hollywood
apenas desfilaria sua “boniteza” pela tela. Estava errado, claro: era fruto da
imaginação ainda afiada de Simon Kinberg e dirigido por Doug Liman, um sujeito
que quase nunca erra quando o assunto é ação com humor.
Sim, Pitt e Jolie estão lindos na tela (especialmente, ela) e, mesmo que o filme não seja lá muito exigente em termos
de drama, exibem talento (especialmente, ele, que tem cenas impagáveis de humor
físico). O estopim da briga entre o casal é meio fuleiro: eles são designados
para a mesma missão, acabam se atrapalhando mutuamente e já partem para matar
um ao outro, com sangue no olho e sem diálogo, mesmo após cinco – seis? – anos
de casados, nos quais um não sabia da vida dupla que o outro levava.
Precipitação é eufemismo.
Com oito episódios de cerca de 60 minutos para
desenvolver sua trama, a série do Prime Video faz tudo com muito mais paciência
e lógica. Donald Glover e Maya Erskine (em papel que antes seria de Phoebe
Waller-Bridge) são os novos John e Jane Smith, completos estranhos um ao outro.
Eles são designados para viver juntos e cumprir missões dadas por alguém que apelidam
de Oioi, porque é assim que o misterioso chefe os cumprimenta no “zap do
trabalho”, antes de passar suas instruções.
Donald Glover e Maya Erskine: chumbo trocado dói, sim!
As missões começam relativamente fáceis, mas,
desde a primeira, John e Jane percebem que existe risco real envolvido.
Conforme a dificuldade dos trabalhos aumenta, os dois vão se conhecendo
melhor e acabam apaixonados – e é claro que misturar trabalho e sentimentos
começa a comprometer a eficiência do casal de agentes, que só tem permissão
para fracassar em suas missões três vezes.
O filme contava com muita gente boa, como Kerry
Washington, Jennifer Morrison e Michelle Monaghan, mas em papéis modestos,
meras escadas para o casal de astros. Adam Brody, sendo o pivô da missão que
detonava a briga dos Smiths, teve sorte um pouco melhor. O filme ainda tinha
Vince Vaughn, péssimo como sempre e irritante como nunca.
Na série, o elenco coadjuvante é estrelado e
seus personagens têm função na história e tempo para brilhar. Gente como Paul
Dano, John Turturro, Micaela Coel, Parker Posey e Wagner Moura – este último
rouba para si cada cena em que aparece, exalando charme e desembaraço com o
inglês. Há até piada com isso, quando John diz para Jane: “É aquele sotaque,
né? A gente fica com vontade de ajudá-lo”.
Wagner Moura: dono ladrão da porra toda!
O luxuoso auxílio desses atores, porém, não
significaria muito, caso o novo casal de protagonistas não desse conta do
recado. Donald Glover e Maya Erskine são ótimos no humor, no romance e na ação,
mas de um jeito bem mais “pé no chão” que o casal do filme. Primeiro, são donos
de uma beleza bem diferente daquela. São bonitos, mas não parecem (perdão, se
me repito) modelos em um comercial de perfume (e é de Glover a sensualidade
mais explorada). Suas personalidades possuem tantas camadas interessantes, que
é até covardia comparar os novos Smiths com os antigos. Os tiroteios não são
posados e acrobáticos. Muita coisa dá errado para eles e tudo tem
consequências.
Quando a coisa finalmente chega ao ponto em que
um tenta matar o outro, já rolou muita água, amor e mágoa entre eles. A gente
entende como eles chegaram ali (e aquela inesperada fatalidade do primeiro
ataque certamente não ajudou). Acaba que a série, por melhor que seja como
entretenimento de ação, revela-se um tratado sobre a incomunicabilidade – não apenas
entre casais, mas entre pessoas – e como essa dificuldade em expressar
sentimentos – um sério mal de nosso tempo – pode arruinar até as coisas mais
belas.
Não quer dizer que Sr. e Sra. Smith seja uma
série “cabeça”. Ela é inteligente, bem escrita e bem interpretada, não
desaponta como espetáculo de ação e consegue fazer que nos importemos com o
casal, temendo pelos desafios que enfrentam entre si e pelos perigos que correm
em suas missões. Assim como foi com o filme, demorei a dar o play na série,
mas, agora – especialmente, após o tenso gancho do último episódio – mal posso esperar por uma
nova temporada!