Tiê foi razoavelmente famosa por um tempo, com ajuda de uma cover acústica da Turma do Balão Mágico, coisa que não é lá muito impressionante, num currículo. Se realmente existem cantoras chamadas Sol e Mar, não sei – tampouco o sabe meu irmão, que só quis fazer graça e formar uma trinca delas com Céu.
Particularmente, acho injusto colocar Maria do Céu Whitaker Poças em qualquer balaio generalizante de maneira negativa. Perto de completar 20 anos de carreira, Céu não caiu de paraquedas na música: ela é filha de Edgard Poças, maestro, arranjador e letrista que, nos anos 80, foi um dos arquitetos do já citado Balão Mágico. Céu poderia, inclusive, ter pensado que tinha a “envergadura moral” para gravar Balão Mágico antes de (ou melhor que) Tiê, mas, desde 2005, ela faz seu próprio (e interessante) caminho na música.
Apesar de ter sido apresentado a algumas ótimas faixas por um amigo que é muito fã de Céu, nunca fiz dela presença constante em meus ouvidos – o que é, certamente, uma senhora pisada na bola, de minha parte. Pensando aqui, com sua música na orelha, me peguei percebendo muito de Gal Costa nela – com a vantagem de que, enquanto a saudosa Gal era essencialmente uma intérprete, Céu é ótima letrista e compõe quase todo o próprio repertório.
Pegue um disco seu para tocar e ele dificilmente deixará de agradar – seja pelo som com groovado em baixos teores, as letras cheias de esperteza ou a voz absurdamente suave e afinada que Céu ostenta. Ela se cerca das melhores companhias, e sua música, mesmo não sendo o suprassumo do pop, tem sempre excelente produção.
“Raiou” abre os trabalhos, com sua levada Jorge Benjor, piano climático e letra com toques de sagaz autoajuda: “te sai dos dribles que a vida te deu /.../ te apruma, que o dia raiou / em sua cor de sorte /.../ entoa teu mantra e vai cantando / viver é para os fortes”.
A safada “Cremosa” e a ingênua “Crushinho” fariam bonito em qualquer trilha de novela. No meio delas, um hino de amizade, “Gerando na Alta”, o single do álbum. “Into My Novela” retoma a vibe romântica, com cordas emocionantes e pequenas intervenções em inglês (uma manobra que se repete em outras faixas). Embora heterossexual (namora e tem filho com o baterista da Nação Zumbi, Pupillo), Céu canta para objetos femininos de desejo com sutileza e elegância.
Tenho a impressão de que a música de Céu deve funcionar melhor com THC nas ideias (“High na Cachu” não deixa muita dúvida), mas ouvi-la de cara limpa não traz qualquer prejuízo. “Lustrando Estrela” tem a bateria lo-fi abrindo caminho para um arranjo que é pura Motown. “Reescreve” meio que complementa as ideias de “Raiou”, numa levada a la Gil Scott-Heron, exortando o ouvinte ao pensamento crítico.
Se você, ao fim de sua audição de Novela, sentir um súbito desejo de recuperar o tempo perdido e ouvir mais de Céu, saiba que não está sozinho: apesar da carreira longa, ainda lhe falta sucesso popular que se equipare ao prestígio com a crítica daqui e de fora – mas não convém duvidar que ela chegue lá. Nada mal para uma mera cantora com nome de três letras, hein?
Novela
3 comentários:
Bela resenha. Nunca ouvi a Céu apropriadamente e essa é a deixa para começar. Desde que a Tulipa Ruiz evaporou que ficou uma lacuna de novas divas nacionais na minha playlist.
Ps: pra mim, a melhor coisa da Tiê é aquela session com regravações da Celly Campello. Jogou um temperinho swing/rockabilly que ficou sensacional - https://vimeo.com/131936963
Pps: a tirada do seu irmão foi ótima! :D
DOGGMA, como assim, Tulipa Ruiz evaporou? Você não ouviu Habilidades Extraordinárias, de 2023? Entre as mais novas, gostei bastante de Rachel Reis, baiana linda, articulada e malemolente.
Fiquei curioso com essa session da Tiê com a Celly, vou dar uma olhada. Abração!
Cara... tava acompanhando as novidades da Tulipa pelo Wikipédia dela em português. Agora vi que está muito desatualizado (ao contrário do Wiki em inglês!). Erro fatal.
Valeu pelo toque. Vou correr atrás dela e da Rachel. No bom sentido.
Abração!
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