24/03/2025

Inesquecíveis

 

O prolífico autor de quadrinhos francês Fabien Toulmé tem um caso de amor antigo com o Brasil: foi aqui, durante um intercâmbio na Paraíba, que ele conheceu sua esposa. Também viveu e trabalhou em Fortaleza. Seu tempo em nosso país ocupa muitas páginas de sua HQ de estreia, a muito sensível Não Era Você Que Eu Esperava, onde corajosamente expôs os sentimentos conflitantes que experimentou quando sua primeira filha nasceu com Síndrome de Down.

Em Inesquecíveis, Toulmé não está falando de si nem criando histórias delicadas e emocionantes: apenas faz curadoria e roteiriza histórias reais que coletou em entrevistas. São episódios que marcaram a vida das pessoas que as contaram – mesmo que não tenham sido elas a vivê-las, a exemplo da história sobre um casal de brasileiros, narrada por uma amiga.

Há o caso de uma moça estuprada pelo próprio namorado; uma menina cuja identidade foi apagada pela religião; um garoto francês que vivia em Ruanda quando estourou a sanguinária guerra civil de 1994; um casal que perde o trem do amor durante décadas, mas nunca deixa de se amar; e um garoto que parece perdido para o crime, até que um voto de confiança muda sua vida e dá início a mudanças no sistema penal francês.

Com pouco mais de 120 páginas, Inesquecíveis é uma leitura rápida, talvez até demais, pro leitor acostumado a outros trabalhos do autor. Um segundo volume já existe e deve ganhar versão brasileira em breve. Mesmo que toque o coração do leitor de diversas maneiras – certas histórias reais têm o encanto de rivalizar com a ficção em suas reviravoltas – parece fazer falta ao livro o toque da imaginação de Toulmé, seu humor autocrítico, suas observações muito pessoais sobre as pessoas e sobre a vida.

É um livro que pode deixar a gente mais feliz numa tarde de leitura e pode funcionar como porta de entrada à sua obra, mas está longe do brilhantismo de um Duas Vidas (até aqui, para mim, seu auge). Organizar esta coletânea pode ter sido o jeito que ele encontrou de manter-se próximo ao leitor, enquanto trabalha em seu próximo épico de lirismo cartunesco. É válido, mas a gratificação é pouca.

07/03/2025

O Auto da Compadecida 2

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Eu tenho por regra não me ocupar em falar mal das coisas de que não gosto. Se eu já me senti perdendo tempo com um filme, quadrinho ou disco ao consumi-lo, por que jogar fora preciosos minutos do meu dia pra escrever sobre ele? Então, eu vou tentar ser breve, pra bile não me subir muito alto pela garganta.

O Auto da Compadecida 2 não deveria existir, simples assim. Primeiro, porque o original nem era um filme exatamente, mas um recorte em longa-metragem da minissérie da Rede Globo, que adaptava a obra de Ariano Suassuna. Desta vez, a Globo nem se envolveu na produção ou distribuição, o que ajuda a explicar que o filme seja tecnicamente tão pobre, com cara de teatro (mal) filmado. Os cenários e passarinhos digitais são vergonhosos. É um filme feio de ver, saiba logo de saída – e nem vou me deter na eterna estereotipagem do Nordeste como um lugar sem vida e dos nordestinos como miseráveis e supersticiosos.

Tampouco se sustenta em sua história, já que se limita a requentar temas muito melhor explorados no primeiro filme. Como carece de uma razão de ser, apela o tempo inteiro à nossa nostalgia pelo filme original, e esses são os únicos momentos que valem a pena, porque, na falta de um Suassuna pra dar estofo, o roteiro é preguiçoso e sem-graça.

O elenco faz o que pode: o carisma de Matheus Nachtergaele e Selton Mello está intacto e, para minha surpresa, Eduardo Sterblitch e Humberto Martins não fazem feio. É bonita a amizade de João Grilo e Chicó, mas só porque a gente já sabia disso antes: bem analisando, alguém que some sem deixar rastro, apenas porque sim, por mais de 20 anos, não se qualifica como bom amigo, não – mas, vá lá, a gente compra a ideia. Chicó se envolve com a filha de um desafeto outra vez. João Grilo morre outra vez. Apela para Nossa Senhora (Thaís Araújo) outra vez. A falta de ideias (e de grana) fica ainda mais aparente quando vemos que Jesus e o Diabo são agora interpretados por Nachtergaele.

Como não concebo que nenhum dos envolvidos estivesse padecendo com boletos atrasados, só posso mesmo acreditar que este filme foi criado para, desavergonhadamente, lucrar com a nostalgia do público, sem oferecer nada digno em troca. Sou até capaz de crer que a ideia veio de “um lugar de amor” (argh!), mas você sabe que cinema costuma ser uma coisa cara pra quem assiste, né? Eu vi O Auto da Compadecida 2 em casa, mas, caso tivesse pagado por um ingresso, teria saído direto do cinema pro Procon.