A banda inglesa The Smiths durou pouco: foram meros cinco anos, entre 1982 e 1987 – e menos ainda para mim, que só vim a conhecê-los no início de 1986. Apesar disso, sua influência em minha vida – que vai do meu gosto musical a certos aspectos de minha personalidade – seguiu pelas décadas à frente. Quase 40 anos depois, eles ainda são meus artistas favoritos.
Daqui, do Brasil, onde tudo naquele tempo quase sempre demorava muito a nos alcançar, a gente não fazia ideia do fenômeno que eles eram na Inglaterra. Há uma passagem bastante ilustrativa disso em Mozipédia: A Enciclopédia de Morrissey e dos Smiths: convidados a abrir um show do The Police (uma banda muito popular no Brasil, que havia feito shows históricos por aqui), os Smiths recusaram a suposta honraria, com o guitarrista Johnny Marr esclarecendo: “Nós já somos mais importantes do que o Police jamais foi”.
Verdade ou exagero, o fato é que os Smiths extrapolaram seus muitos méritos musicais, tornando-se um fenômeno cultural muito atípico, especialmente por conta das letras e das fortes opiniões de seu vocalista, Morrissey. Sua mera figura e estilo de vida (entre outras idiossincrasias, ele é um vegetariano radical) eram objeto de escrutínio da imprensa e devoção dos fãs, numa escala que só teve paralelos na beatlemania, 20 anos antes deles. Morrissey e Marr simplesmente não deviam nada a Lennon e McCartney, ou Jagger e Richards: eram um perfeito exemplo de quando o resultado supera em muito a soma das partes.
São mais de 700 páginas que, por sua abrangência, trazem um punhado de informações que, em certos momentos, desafiam o interesse do leitor – sem falar que Goddard tem algumas opiniões controversas sobre alguns discos e canções. Por exemplo, ao falar do primeiro álbum ao vivo de Morrissey, o eletrizante Beethoven Was Deaf, ele o acusa de “pouca intensidade”. Também atribui à monumental “Life is a Pigsty” uma certa “fraqueza de pulso”, classificando-a como nada mais que “uma porcaria divertida”. Como se pode notar, existe um preço a pagar por saber ler.
Por outro lado, acerta ao atribuir o justo valor a certas canções, como nas emocionadas palavras que dedica a “Last Night I Dreamt that Somebody Loved Me”, chamando-a de “a última obra-prima da banda”, uma canção que até Andre 3000, do duo de hip-hop Outkast, chamou de genial e disse desejar ter sido ele a compor.
A edição nacional, da
editora Leya, tem alguns problemas de tradução e revisão, com informações equivocadas (como chamar ao baixista Andy Rourke de “baterista”,
posto que era de Mike Joyce), traduções muito literais onde caberia uma
adaptação ao “paladar” brasileiro, e algumas frases que simplesmente não têm
sentido completo. Apesar dos percalços, recomenda-se o livro a iniciados e curiosos,
pois é agradável leitura e funciona muito bem como documento sobre o legado de
uma banda que foi muito maior do que imaginamos, mas ainda muito menor do que estava
destinada a ser.