Além de realizar a profecia do próprio personagem de que ele seria “o Jesus da Marvel”, Deadpool & Wolverine mostra que o público ainda tem, sim, bastante interesse pelo MCU e, ainda que alguém queira atribuir seu sucesso apenas ao inigualável carisma da dupla de protagonistas (Ryan Reynolds e Hugh Jackman), D&W tem boas ideias de sobra e honra o legado de seus personagens, seja em papel ou em película.
Aliás, o filme funciona como uma carinhosa elegia à “era Fox” de filmes do gênero, que, entre erros e acertos, divertiu muita gente desde tempos pré-Marvel Studios. Embora o extenso círculo de amizades e o imenso poder de convencimento de Ryan Reynolds tenha garantido algumas presenças ilustres e nostálgicas, em número suficiente para dar um lustro especial a este filme cheio de adrenalina, riso e emoção, muita gente boa ainda ficou de fora – e tudo bem, não se pode ter tudo, mesmo.
Além de ter os amigos certos nos lugares certos, Reynolds tem amor de sobra: pelos quadrinhos em geral, pelo Deadpool em particular e, principalmente, por interpretá-lo. Sim, é verdade que ele e Jackman estão ganhando rios de dinheiro - o que sempre deixa tudo muito mais legal - mas é possível ver que ambos estão, acima de tudo, se divertindo de verdade em fazer este filme juntos. Pode procurar uma featurette qualquer no YouTube e você verá que os dois são amigos de longa data e há tempos buscavam uma oportunidade de trabalhar juntos.
Outro amigo no projeto é o diretor Shawn Levy, canadense como Ryan Reynolds, e que já havia trabalhado tanto com ele (em Free Guy e O Projeto Adam) quanto com Hugh Jackman (em Gigantes de Aço). Levy cria sequências muito divertidas e empolgantes de ação, que nos dão a sensação de estar lendo um belo gibi no sofá de casa, com um sorriso no rosto. Até as sequências emocionais funcionam bem – mas, como se trata de um filme de Deadpool, a esculhambação volta a tomar conta em cinco segundos.
Vale um sincero elogio à Marvel/Disney por não ter “domesticado” os personagens ao inseri-los no MCU. D&W está repleto de morte, mutilação, humor de 5ª série e insinuações sexuais. A Disney pode ser careta, mas não é burra: ela sabe que o público não se interessaria por um Deadpool limpinho, censura livre. Chega ao ponto de aceitar ser seguidamente sacaneada sobre seus fracassos e decisões estúpidas. Ponto pra Reynolds, de novo: ele não apenas sabe rir de si mesmo, como sabe ensinar a fazê-lo.
Ao fim do filme, a gente se sente feliz e gostosamente anestesiado com o banquete de piadas, aparições especiais, menções a fases clássicas e mais easter-eggs do que somos capazes de processar – mas, ei, existe uma boa história aqui! Com seu universo em risco de ser apagado por um agente independente da AVT (aquela da série do Loki), Deadpool vai atrás de um Wolverine pra chamar de seu e salvar todo mundo, mas tem que se contentar com uma versão do herói que deixou seus X-Men e seu mundo morrerem, “o pior Wolverine que existe”. Juntos (e com ajuda de alguns amigos), eles vão enfrentar a AVT, a vilã Cassandra Nova, um exército de Deadpools e, diversas e divertidas vezes, um ao outro.
Não chega a ser um primor de roteiro nem ambiciona ser a pedra angular de qualquer coisa, mas não querer reinventar a roda é justamente uma das maiores qualidades deste filme muito merecedor de seu sucesso, que devolve alguma vida à agonizante Marvel do cinema. Resta saber se ela vai aprender suas lições ou ficar eternamente confiando nos milagres de seu Jesus.
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