Com extensa folha corrida de bons serviços prestados à Nona Arte, há mais de duas décadas, o roteirista americano Ed Brubaker teve passagens expressivas na DC e na Marvel, tendo escrito fases marcantes para diversos personagens, como Batman, Capitão América e X-Men. Já há quase igualmente tanto tempo, desenvolve um sólido trabalho autoral – no qual está quase sempre acompanhado pelo habitual artista parceiro, Sean Phillips.
Logo que começou a trabalhar com o Capitão América, Brubaker teve a companhia de Steve Epting e, com ele, discutia as ideias que vinha tendo para uma história de espionagem protagonizada por uma mulher. Epting prontamente se convidou a ilustrar a tal história, que só veria a luz do dia quase uma década depois, por conta das obrigações contratuais de ambos – mas, olha, como valeu a pena esperar tanto: originalmente lançado entre 2013 e 2016, com três atos em 15 partes, Velvet é um gibizaço, em 400 páginas de tirar o fôlego!
Velvet começa em 1973, um tempo em que não havia internet ou celulares, o que deixa tudo muito mais interessante no trabalho de espionagem – no sentido de que, sem um aparato high-tech (sendo a única exceção um protótipo de wingsuit), a espionagem era quase uma arte, na qual alguém tinha que ser muito bom pra nela se criar. Velvet Templeton era muito boa, dotada de memória fotográfica e habilidades marciais e linguísticas incomparáveis, mas, após alguns incidentes, acabou confinada a uma mesa na sede da CAR-7, a mais secreta entre as agências secretas britânicas.
Mulheres como espiãs não são novidade, mas, ainda são minoria: a elas, normalmente reservam o papel de vítima ou de parceira (seja de ação ou de cama) de um heroico espião qualquer. Por exemplo, é raro que alguém lembre o nome de uma Bond Girl, por mais que ela seja durona ou sagaz. A fama e o mérito são sempre exclusivos de James Bond. Por isso é que Velvet, dona de sua própria história, não apenas é durona e sagaz: ela herda de Bond a disponibilidade (e a disposição) sexual. Para aprofundar-se nos detalhes de várias operações secretas, ela foi capaz de dormir com todos os agentes de campo, deixando cada um deles pensar que era o único. Velvet não hesita em dormir com alvos, tampouco. Mesmo assim, a gente reconhece nela um senso prático de dever tão forte, que mesmo saber de tudo isso não nos faz questionar sua moralidade ou seu valor. Se James pode, por que Velvet não poderia?
O melhor é que tudo acontece sem feminismo didático, embora seja uma abordagem claramente feminista. Brubaker, porém, não alivia em nada para Velvet só porque ela é mulher: ela cai, se esfola toda, dá e toma tiro, dá e toma pancada, e troca socos com homens em pé de igualdade, quando não em clara vantagem. Ela é geralmente mais esperta que todo mundo à sua volta, mas ainda comete suas burradas. É uma pessoa normal (o que inclui, sim, fazer sexo apenas para conseguir algo que precisa ou deseja).
Velvet tem, ainda, uma das conclusões mais satisfatórias já vistas em uma obra de Brubaker - e não é que ele o faça mal em outras, é só que esta não tem aquela suspensão súbita que costuma caracterizar seus últimos quadros, deixando um “mas, e aí?” na cabeça do leitor. Ele até usa a palavra “fim”, artifício que costuma dispensar em várias de suas histórias.
Embora seja concretamente um fim, uma nova aventura de Velvet Templeton não está descartada pelo autor, cuja publicação pela Editora Mino segue firme e forte no Brasil. Com a proximidade do lançamento da série do Prime Video baseada em Criminal (prevista para 2025), Brubaker e Phillips devem gozar de merecido reconhecimento mundial, para muito além das páginas de suas graphic novels. Não deve demorar até que Velvet faça crescer os olhos de algum produtor de TV ou cinema. Parece um caminho bastante natural.