18/02/2025

Ainda Estou Aqui

 

Não se esqueça que tem Promoção Starman rolando!

Aconteça o que acontecer no próximo dia 2 de março, Ainda Estou Aqui já é um fenômeno consolidado: além de muitíssimo elogiado e premiado mundo afora, já é um dos cinco filmes brasileiros mais vistos da História - imagina se não tivesse sido alvo de uma chocha tentativa de boicote! – e uniu os brasileiros em reconhecimento ao superlativo talento de sua estrela, Fernanda Torres, que esbanja graça e simpatia em nosso nome, em suas aparições televisivas.

Não é que não importe ganhar o Oscar: importa muito, principalmente se lembrarmos que a Argentina tem dois e a gente não tem nenhum.

Até o momento em que escrevo esta resenha, dos dez indicados a Melhor Filme, eu só consegui ver três: Duna Parte 2, A Substância e Ainda Estou Aqui. O nosso filme é, de longe, o que reúne mais atributos que o qualificam para o grande prêmio da noite. Para começo de conversa, não é uma alegoria regada a efeitos especiais, como os outros dois – e não estou, aqui, tentando diminuir os muitos méritos de um ou de outro. Ele larga na frente porque é uma história verdadeira, de gente como a gente, passando por eventos assustadores, aos quais estamos suscetíveis a reviver, a qualquer instante, porque uma parcela ignorante ou amnésica da população anseia pela volta do país a um tempo sem liberdade.

Os Paiva: mãe zelosa, pai coruja.

Quando o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) é levado do convívio com sua família para nunca mais ser visto, já havíamos passado o primeiro terço do filme testemunhando a rotina feliz de sua família de classe média, no Rio de Janeiro de 1971. Ao contrário de filmes como Cidade de Deus (2002), ou mesmo Central do Brasil (1998), estas não são pessoas marginalizadas, de uma realidade muito distante daquela do público que vai ao cinema. São uma família comum, fazendo coisas que famílias comuns fazem (talvez apenas com um pouco mais de dinheiro que a maioria das famílias comuns).

Atingidos em cheio pela marreta autoritária do então presidente Emilio Garrastazu Médici, não apenas seu marido é “sumido”, como a própria Eunice Paiva (Fernanda Torres) e uma de suas filhas são “convidadas” a participar de sucessivos e exaustivos interrogatórios, a fim confirmar uma alegada associação com “comunistas”. Ao sair, Eunice, no fundo, sabe que seu marido dificilmente retornará: embora não desista de questionar e de esperar, conforme passa o tempo, suas esperanças vão morrendo, a cada negativa da polícia aos seus pedidos para ver Rubens ou apenas para saber qualquer coisa sobre ele.

O que lhe resta, então, é tocar a vida. Quando Eunice chora, nunca é desabando de luto: é sempre aquela lágrima fugidia, sem soluços, porque ela sabe que não pode sucumbir, que precisa ser forte pelo marido ausente, pelos filhos e por ela própria – e ela se mostra forte. Com toda a dor do mundo e temor pelo futuro, mas, sim.

Eunice Paiva: pra frente é que se anda, porque a alternativa é pior.

Há dois momentos especialmente representativos da força de Eunice Paiva: o já famoso (pois recortado em diversas resenhas do filme no YouTube) passeio no shopping, em que seus filhos lancham, enquanto ela se pega reparando nas pessoas seguindo com suas vidas, felizes, alheias a todo o drama que ela está vivendo; e outro, quando, ao ser entrevistada e fotografada para uma revista, ela ignora o pedido desta por uma foto triste, sombria – como supostamente conviria a uma vítima da ditadura – e pede aos filhos que caprichem no sorriso.

Após tantas indicações e vitórias, qualquer coisa que se diga sobre a atuação de Fernanda Torres é chover no molhado. Se não leva o Oscar, não terá sido por falta de merecimento, mas porque sabemos que ele é, essencialmente, uma premiação de americanos para americanos, que, de vez em quando, lembram-se de incluir uns gatos pingados da produção de cinema do resto do mundo em categorias além da restritiva Melhor Filme Estrangeiro. Será ótimo se o filme vencer nesta categoria (que parece a mais “fácil”), mas um Oscar para Fernanda Torres teria o potencial de unir, por um instante que fosse, os corações e mentes do país, fazendo com que nossos muitos e imensos problemas parecessem um pouco menos assustadores.

Na verdade, é um vacilo da Academia que o filme não tenha ainda mais indicações, como o roteiro (adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho caçula do casal) e a direção segura de Walter Salles, ou a sóbria atuação de Selton Mello como Rubens Paiva. É uma obra lançada em tempos muito sombrios, sobre outros tempos muito sombrios, para lembrar às pessoas que não há mal que não possa retornar, se a gente baixar a guarda (anistia, nem a pau!). São elementos que a Academia costuma prezar, mas, como dito lá no começo, com ou sem prêmios, Ainda Estou Aqui já é o campeão moral da temporada.

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