Aconteça o que acontecer no próximo dia 2 de
março, Ainda Estou Aqui já é um fenômeno consolidado: além de muitíssimo elogiado
e premiado mundo afora, já é um dos cinco filmes brasileiros mais vistos da
História - imagina se não tivesse sido alvo de uma chocha tentativa de boicote!
– e uniu os brasileiros em reconhecimento ao superlativo talento de sua estrela,
Fernanda Torres, que esbanja graça e simpatia em nosso nome, em suas aparições televisivas.
Não é que não importe ganhar o Oscar: importa muito, principalmente se lembrarmos que a Argentina tem dois e a gente não tem nenhum.
Até o momento em que escrevo esta resenha, dos dez indicados a Melhor Filme, eu só consegui ver três: Duna Parte 2, A Substância e Ainda Estou Aqui. O nosso filme é, de longe, o que reúne mais atributos que o qualificam para o grande prêmio da noite. Para começo de conversa, não é uma alegoria regada a efeitos especiais, como os outros dois – e não estou, aqui, tentando diminuir os muitos méritos de um ou de outro. Ele larga na frente porque é uma história verdadeira, de gente como a gente, passando por eventos assustadores, aos quais estamos suscetíveis a reviver, a qualquer instante, porque uma parcela ignorante ou amnésica da população anseia pela volta do país a um tempo sem liberdade.
Atingidos em cheio pela marreta autoritária do então presidente Emilio Garrastazu Médici, não apenas seu marido é “sumido”, como a própria Eunice Paiva (Fernanda Torres) e uma de suas filhas são “convidadas” a participar de sucessivos e exaustivos interrogatórios, a fim confirmar uma alegada associação com “comunistas”. Ao sair, Eunice, no fundo, sabe que seu marido dificilmente retornará: embora não desista de questionar e de esperar, conforme passa o tempo, suas esperanças vão morrendo, a cada negativa da polícia aos seus pedidos para ver Rubens ou apenas para saber qualquer coisa sobre ele.
O que lhe resta, então, é tocar a vida. Quando Eunice chora, nunca é desabando de luto: é sempre aquela lágrima fugidia, sem soluços, porque ela sabe que não pode sucumbir, que precisa ser forte pelo marido ausente, pelos filhos e por ela própria – e ela se mostra forte. Com toda a dor do mundo e temor pelo futuro, mas, sim.
Após tantas indicações e vitórias, qualquer coisa que se diga sobre a atuação de Fernanda Torres é chover no molhado. Se não leva o Oscar, não terá sido por falta de merecimento, mas porque sabemos que ele é, essencialmente, uma premiação de americanos para americanos, que, de vez em quando, lembram-se de incluir uns gatos pingados da produção de cinema do resto do mundo em categorias além da restritiva Melhor Filme Estrangeiro. Será ótimo se o filme vencer nesta categoria (que parece a mais “fácil”), mas um Oscar para Fernanda Torres teria o potencial de unir, por um instante que fosse, os corações e mentes do país, fazendo com que nossos muitos e imensos problemas parecessem um pouco menos assustadores.
Na verdade, é um vacilo da Academia que o filme não tenha ainda mais indicações, como o roteiro (adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho caçula do casal) e a direção segura de Walter Salles, ou a sóbria atuação de Selton Mello como Rubens Paiva. É uma obra lançada em tempos muito sombrios, sobre outros tempos muito sombrios, para lembrar às pessoas que não há mal que não possa retornar, se a gente baixar a guarda (anistia, nem a pau!). São elementos que a Academia costuma prezar, mas, como dito lá no começo, com ou sem prêmios, Ainda Estou Aqui já é o campeão moral da temporada.
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