03/11/2025

Baú do Catapop #1

Esta seção vai fuçar na memória arquivada do blog, em busca de postagens que foram especialmente populares ou que merecem uma nova avaliação, à luz das mudanças por que passaram o mundo e este que vos escreve. Os comentários atuais serão feitos em azul itálico.

O primeiro texto resgatado para as comemorações dos 20 anos é um apanhado que publiquei em 14/10/2008, reunindo nomes e canções da Dance Music dos anos 90 - a geração que, entre o fim de minha adolescência e o começo de minha vida adulta, embalou noites suarentas na Usina de Som, saudosa boate de Ibotirama, no oeste baiano, onde vivi entre 1984 e 1999.

* * * * *

PUMP IT UP!
A Dance Music dos Anos 90
Originalmente publicado em 18/10/2008

Os anos 80 já estão gravados no inconsciente coletivo como uma década de grande criatividade na cultura pop. Passadas várias ondas revivalistas de bom e de mau gosto, o saldo geral é bastante positivo. Não há mais necessidade de explicar ou de defender aquele período.

A esta altura, também os anos 90 já foram louvados e atacados na grande mídia e nas análises pessoais de quem os viveu. Os ciclos de reavaliação de uma década costumam começar após 20 anos, com ondas menores de redescoberta a cada 10 outros.

Lá por 2010, estaremos novamente ocupados, fazendo uma triagem semelhante nos anos 90, “a década em que a melodia morreu”, segundo meu amigo Marcelo Borges, de Itumbiara/GO. A facilidade pop dos anos 80 deu lugar a experimentações que testavam a receptividade e, não raramente, a paciência dos ouvintes. Aqui no Brasil, a coisa ficou especialmente indigesta: fazer música simples, de um gênero só, ficou praticamente proibido. Todo mundo tinha que fazer MPopB, skate-metal, manguebit, forrócore e outros bichos esquisitos. Deu alguns bons frutos e gerou uma montanha de coisas horrorosas, algumas das quais se arrastam por aí até hoje.

Admito dificuldade semelhante à de Marcelo, embora menos intensa: muita coisa surgida nos anos 90, mesmo quando fruto de mistura de estilos, como Chico Science & Nação Zumbi, bateu em mim de primeira.

Os primeiros anos da década de 90 foram marcados pela ascensão da dance music, do underground a gênero “respeitável” e, principalmente, rentável. Desde o fim da era disco, nos primeiros anos da década de 80, a música criada exclusivamente para dançar, sem letras “conscientes” ou cabecismos fora de hora, não tinha tanta força. A febre das batidas aceleradas conquistou dois terços do planeta e fez espumar de raiva o terço restante (leiam-se os carrancudos roqueiros da época, metidos a salvar o mundo e remoer existencialismos).

Você, entre 20 e 25 anos, talvez seja novo demais para lembrar, mas houve um tempo em que ir a uma boite para dançar não era, como hoje, sinônimo de logo ver-se cercado de bichas musculosas, suadas e seminuas. Herdando o espólio das famosas danceterias da década passada, sacudir o esqueleto nos clubs noventistas era, até certo ponto, um programa razoavelmente hétero.

Como se pode notar, o fato de ser gay e já me sentir razoavelmente resolvido com isso desde 2000 não me impedia de reproduzir homofobia sistêmica e internalizada, como se um programa "razoavelmente hetero" fosse garantia de qualquer coisa mais tranquila ou divertida (spoiler: não é).

Como toda febre musical que se preze, a dance music dos 90 tinha representantes realmente criativos, one-hit wonders azarados e picaretas de primeira grandeza. Mesmo que a house music já começasse a fazer barulho, a ponto de a Bizz dar destaque e até capa para nulidades como Yazz e Bomb The Bass, o primeiro arrasa-quarteirão mundial da dance music era um forte riff de guitarra sampleado e acompanhado de um brado feminino: “I’ve got the power!”. Era "The Power", do projeto alemão Snap, comandado pelo rapper Turbo B. As batidas funky vitaminadas pela eletrônica, os clipes aeróbicos e singles certeiros como “Mary Had a Little Boy” e “Oops Up” transformaram o Snap em um sucesso avassalador. Em 1992, passado o bode da fórmula, eles voltaram mais suaves e legaram ao mundo a então onipresente “Rhythm Is A Dancer” (Clube das Mulheres, alguém?).

Turbo B, o MC do Snap

Não muito tempo depois de “The Power”, outro riff sampleado e mais um grito de guerra contaminaram o planeta: “everybody dance now!”, que tornava “Gonna Make You Sweat”, do C+C Music Factory, imediatamente reconhecível. A dupla formada por Robert Clivillés e pelo já falecido David Cole foi um dos primeiros a receber o rótulo de “respeitável” pela imprensa, que se esforçava para não se afogar na maré de nomes e singles que desafiavam critérios e faziam sucesso astronômico da noite para o dia e desapareciam com a mesma velocidade, sem deixar rastro. A “cara” do C+C Music Factory era o bombado e marrento rapper Freedom Williams, que depois achou que era “artista” e meteu-se em carreira solo, logo voltando ao anonimato.

"The Power" e "Gonna Make You Sweat" seguem sendo, para mim, as melhores músicas desse período no gênero.

C+C Music Factory (nas extremidades, Robert Clivillés e David Cole, falecido em 1995)

Clivillés e Cole ainda provocaram os roxos fãs do U2, fazendo não apenas uma, mas duas versões do hino “Pride (In The Name Of Love)”. Eu ouvi ambas e aprovei. Outro astronômico sucesso da dupla foi a maconheira “Take a Toke”, que aqui na Burrolândia tem fama de “romântica”. Ah, se os pombinhos que se enroscam ao som dela soubessem...

Perdão pelo elitismo linguístico de outrora. Ninguém tem obrigação de saber inglês só pra curtir um som - e ela passa, sim, por romântica (só que com maconha).

Dois verdadeiros furacões da dance music foram, também, protagonistas de grandes escândalos, à época. Depois que a dupla Milli Vanilli foi desmascarada como meros dubladores, após terem recebido vários Grammy, o vexame voltou a ocupar os noticiários, desta vez com Black Box e Technotronic.

O Black Box era um fabuloso projeto de italo house (a mais puxada para a disco music, cheia de cordas e pianinhos) cuja imagem pública era a da linda modelo Katrin Quinol. Não demorou até que alguém descobrisse que aquele vocal esplêndido, improvável para alguém tão magra, pertencia à rotunda Martha Wash. Ela buscou na justiça sua fatia da fortuna gerada com singles impecáveis como “I Don’t Know Anybody Else”, “Ride On Time”, “Everybody Everybody” e a cover de “Fantasy”, do Earth, Wind & Fire. Dreamland era, reconhecidamente, um dos poucos LPs de dance music que valiam a pena inteiros.

Katrin Quinol e Martha Wash, dubladora e verdadeira voz do Black Box

O caso do Technotronic foi mais simples. Os vocais e raps que pareciam pertencer à curvilínea Felly nada tinham de espetaculares. Mesmo assim, tratava-se de mais um caso de gato por lebre: quem cantava era a baixinha e andrógina Ya Kid K, que assumiu sem pudor a frente do grupo já no segundo single, “Get Up (Before The Night Is Over)”. Além deste, “This Beat Is Technotronic” e “Move This” fizeram tanto ou mais sucesso que a estréia do grupo, “Pump Up The Jam”, de onde saiu o bordão “pump it up”, que, no Brasil, ganhou a corruptela “poperô” e passou a designar a dance music que freqüentava as Jovem Pan da vida e os cd players de agroboys e outros tipinhos infelizes.

Queria dizer que sinto muito pelo ataque gratuito aos agroboys, mas estaria mentindo. Não atacar agroboys o suficiente transformou o mainstream brasileiro na mesmice cafona que é hoje.

Capa de Pump Up The Jam, a hoje clássica estréia do Technotronic

Estes são apenas alguns dos nomes mais famosos da época. Seria impossível falar de todo mundo em poucos parágrafos e não cometer injustiças. Por exemplo, como eu poderia deixar de mencionar o trio de produtores ingleses Stock, Aitken & Waterman, que revelaram Rick Astley, Kylie Minogue e ressuscitaram a então defunta carreira de Donna Summer? É gente demais e, infelizmente, não dá mesmo para citar todo mundo – até porque não há muito que falar sobre a maioria deles, exceto que deixaram canções que ainda ecoam pelas boites, rádios e academias mais nostálgicas.

Pouco tempo depois deste texto sair, Rick Astley conheceria novo sucesso na era dos memes, com "you've been rickrolled". Donna Summer, por sua vez, faleceria em 2012. Kylie Minogue segue viva e diva.

Eis aqui uma seleção de 10 12 músicas para encher um CD curtinho uma playlist curtinha e bem farofa, mas perfeitamente decente.

Shake that body!


01 – “Gonna Make You Sweat”, C+C Music Factory
02 – “The Power”, Snap
03 – “3 a.m. Eternal”, The KLF
04 – “Get Ready For This”, 2 Unlimited
05 – “I Don’t Know Anybody Else”, Black Box
06 – “Cinema”, Ice MC
07 – “Pump Up The Jam”, Technotronic
08 – “The Hitman”, AB Logic
09 – “Be My Lover”, LaBouche
10 – “It's My Life”, Dr. Alban
11 - "Respect", Adeva (cover de Aretha Franklin, já cover de Otis Redding, que foge da obviedade)
12 - "Finally", CeCe Peniston (das melhores letras românticas em melodia dançante que se pode ter)