22/01/2024

A Saga do Superman, Vol. 14

Este volume de A Saga do Superman conclui a republicação da passagem de John Byrne como roteirista e/ou artista regular do personagem, entre os anos de 1986 e 1988. É uma fase que começou com um clássico incontestável (a minissérie em seis partes O Homem de Aço), teve altos e baixos, mas concluiu-se de forma bastante satisfatória, com as minisséries O Mundo de Smallville (edições 12 e 13), O Mundo de Krypton (edição 13) e O Mundo de Metrópolis, além de um especial inédito no Brasil, Os Ladrões da Terra.

É meio apavorante pensar que esta abordagem moderna (para a época) já está perto de completar 40 anos... e que eu estava lá pra ver. O mercado editorial brasileiro não se parecia nem um pouco com o de hoje, exceto pela atual persistência dos títulos mix. O padrão era o formatinho de 84 páginas em papel áspero e que amarelava em dois tempos, com histórias frequentemente mutiladas ou solenemente ignoradas pela Editora Abril, mas a gente amava tudo – talvez porque não houvesse internet e não fosse tão fácil ter acesso aos títulos originais ou informações sobre eles.

Em O Mundo de Metrópolis, Byrne foca nos quatro principais nomes do universo do Superman: o próprio Clark Kent, Lois Lane, Perry White e Jimmy Olsen, cada um lembrando de suas primeiras experiências em torno do jornal onde trabalham, o Planeta Diário. Digam o que disserem, Byrne foi um dos que melhor entendeu a essência do universo em torno do Superman. As aventuras nem sempre eram as melhores possíveis, mas era nítido seu conhecimento de como cada personagem deveria se comportar e o que deveria fazer.

Em Os Ladrões da Terra, a Terra e a Lua são removidas do sistema solar para servir de combustível para um mundo artificial moribundo, e o Superman precisa enfrentar e derrotar seus captores sem comprometer as cinco bilhões de vidas no planeta (na época). Poderia ser uma grande bobagem e insulta a Física planetária de diversas maneiras, mas acaba sendo uma aventura bem divertida, com viradas interessantes.

Infelizmente, neste último volume, sua contribuição está limitada ao argumento e capas originais. A arte em O Mundo de Metrópolis é de Wim Mortimer e, em Os Ladrões da Terra, de Curt Swan. Ambos entregam um trabalho bastante digno. A última história, também inédita por aqui, já nem é mais de John Byrne: é uma trama confusa de alguém chamado Joe Calchi e com péssima arte de um tal Britt Wisenbaker. Se você a ignorar, não perderá coisa alguma. Melhor ficar somente com as boas lembranças da memorável Era Byrne.

Editoriamente, a Panini errou em não incluir um prefácio, reafirmando a importância da fase ou detalhando como John Byrne estava deixando os personagens, ao fim de todos aqueles meses. Se esta é, como diz a contracapa, uma edição “imperdível”, o fim de fase tão icônica era ocasião que pedia um pouco mais de capricho.

19/01/2024

Anatomia de Uma Queda


O que parece um cenário pior: uma família lentamente destruída por uma quase-tragédia e pelo subsequente ressentimento; ou uma família rapidamente destruída por uma tragédia completa, talvez causada por alguém dentro dela?

A resposta encontrada em Anatomia de Uma Queda, da diretora francesa Justine Triet, é: "desgraça pouca é bobagem". Por que escolher?

Sandra (Sandra Hüller, excelente) é uma escritora alemã, que vive numa comunidade rural perto de Grenoble, nos Alpes Franceses, com o marido francês Samuel (Samuel Theis) e o filho Daniel (Milo Machado Graner, bela promessa), de 11 anos. Um atropelamento aos 4 anos deixou o garoto com o nervo óptico danificado e cegueira parcial. Certo dia, Sandra está tentando dar uma entrevista, mas o marido de Sandra faz muito ruído com seu trabalho de reforma do andar de cima, além de tocar música em volume irritantemente alto. Sandra desiste da entrevista e sobe para falar com Samuel. Daniel sai para passear com seu cão-guia e, ao retornar, encontra o pai morto na neve.


Sendo então a única outra pessoa na casa, Sandra logo vira suspeita. A partir da investigação, dos ensaios de defesa com o advogado/amigo Vincent (Swann Arlaud) e, em especial, durante o julgamento, a intimidade de Sandra com Samuel é destrinchada em detalhes embaraçosos e assustadores, revelando muita frustração e acusações mútuas, possíveis motivos para assassinato e abrindo outras possibilidades.

Além de ser um soberbo drama de tribunal - com presença de um jovem e muito irritante (embora bem-intencionado) promotor de justiça (Antoine Reinartz), um desses tipos que tomam o filme para si – Anatomia de Uma Queda é um filme complicado de assistir, e isso tem pouco a ver com seu ritmo paciente (nunca chato): são as interações do casal, cheias de conversas muito difíceis, carregadas de brutal sinceridade, que ficam ressoando na cabeça de qualquer um que tem ou já teve uma vida a dois. O amor pode tornar-se uma coisa bem feia, e nem todo mundo possui a paciência para esperar que ele troque de pele, ao fim do processo.


Nem tudo é lavagem de roupa suja, porém. Existe ainda - e ainda bem – muita delicadeza no filme, em especial quando está em cena o discreto e observador Daniel, talvez o personagem mais afetado por tudo que acontece (e aquele cão, por favor, tragam um Oscar pra ele!). A direção de Justine Triet sabiamente evita clichês de filmes americanos de tribunal, como música triunfante e closes de “epifania”. É tudo muito próximo do real – e muito bom.

O filme ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2023, além do Golden Globe de Melhor Filme em língua não-inglesa e de Melhor Roteiro e diversos prêmios importantes mundo afora. Quando sair o anúncio dos candidatos ao Oscar 2024, não se surpreenda ao vê-lo concorrendo nas categorias principais. Estreia nos cinemas brasileiros no dia 25 de janeiro.

15/01/2024

Os Rejeitados


Em 1970, o professor Paul Hunham (Paul Giamatti) é conhecido como um carrasco entre os alunos do prestigiado internato de ensino médio Barton, para onde vão os filhos adolescentes das famílias abastadas da região conhecida como New England, nos EUA. Depois de reprovar o filho de um importante patrono da escola, Hunham (que foi bolsista em Barton) recebe a missão de tomar conta de alguns alunos que não podem visitar suas famílias durante as festas de fim de ano.

Se passar o Natal na escola não parece agradável nem para o antissocial Hunham, imagine para os mimados internos. Com eles, está a cozinheira-chefe, Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph), cujo filho foi aluno em Barton, mas morreu meses antes, na Guerra do Vietnam. Quando quase todos os “detentos” conseguem autorização para passar as festas na mansão da família de um deles, somente Angus Tully (Dominic Sessa) permanece em Barton com Hunham e Mary. Os atritos são inevitáveis, mas, aos poucos, Hunham e Tully vão se conhecendo melhor e revelando aspectos peculiares de sua personalidade e história.


Contos de passagem à vida adulta para jovens rebeldes não são exatamente o cúmulo da originalidade no cinema, como tampouco o são aquele sobre transformações de caráter durante um Natal de adversidade. Os Rejeitados, porém, reúne qualidades que o colocam em destaque.

Em primeiro lugar, existe o elenco. O trio central (Giamatti, Randolph e Sessa) saiu inteiramente premiado no Critics Choice Awards deste ano (como Ator Principal, Atriz Coadjuvante e Jovem Ator, respectivamente). Como o doce e problemático Angus, Sessa não se intimida em dividir cena com um furacão do porte de Giamatti (com quem o diretor Alexander Payne já tinha feito Sideways: Entre Umas e Outras, em 2004). O professor Hunham é um desses tipos cascudos, cuja personalidade se desdobra em camadas cada vez mais interessantes (com o auxílio de um desvio ocular que lhe vale o apelido de O Vesgo).

No papel da sofrida e pragmática Mary Lamb, Da’Vine Joy Randolph é como um vulcão abafado. Detesta o trabalho de alimentar garotos que a desprezam, mas entende que a opção (não ter esse trabalho ruim) é pior. Quando pensa já ter chorado tudo que podia pelo filho perdido, o Natal reabre suas feridas, mas ela ainda encontra em si afeto e sabedoria (na forma de cortante franqueza) para dividir.

A ambientação setentista de Os Rejeitados extrapola o mero cenário de sua narrativa, estendendo-se à textura granulada de sua película, aos créditos retrô e àquele sentimento de perda de inocência que se abate sobre todos os personagens, num tempo em que o próprio país era puro desencanto. Depois do fraco Downsizing, de 2017, Alexander Payne reencontra seu rumo com um filme despretensioso e surpreendente da melhor maneira possível. Dificilmente vai abalar o favoritismo de Oppenheimer no Oscar, mas é um filme que deixa a gente se sentindo bem consigo mesmo e com a humanidade. Não é pouca coisa.

12/01/2024

Lá e de volta outra vez

 

"Tente parecer natural", disseram

Quem é que ainda lê blog, minha gente?

Eu não sei a resposta para esta pergunta, mas espero que ainda exista bastante gente interessada nessa forma de expressão, que entrou em minha vida lá pelo fim de 2002, quando abri o primeiro deles, chamado Gotham City (Deus o tenha, me dava muito orgulho!).

Das muitas pessoas bacanas que conheci naquela pré-história da internet popular no Brasil, havia um blogueiro e historiador gaúcho, Fábio Chang. Ele era leitor do Gotham City, e eu, do seu blog, o Mestre Chang. Com o tempo, tivemos a ideia de uma aventura a quatro mãos, e coube a mim batizar o “rebento”: CATAPOP!

Era sonoro e simpático, parecia uma onomatopeia - coisa típica de quadrinhos, que sempre foi o assunto mais falado por aqui (não o único, porém).

Com o tempo, ali por 2008, 2009, as atribulações pessoais de Chang comprometeram severamente sua frequência de postagem. Eu já levava o Catapop no lombo praticamente sozinho havia um bom tempo, quando tive um rompante do qual não me orgulho, mas que julguei necessário: sem aviso, barrei o acesso de Chang ao blog e “tomei o poder”.

Sim, queridos: não era 2016, mas foi golpe!

Hoje, olhando para tudo em perspectiva, me sinto bem menos constrangido. Por muito tempo, me preocupou que ele tivesse me odiado pelo que fiz, mas, olha, eu acho que ele ficou foi agradecido. Chang parecia ocupado demais até pra me questionar sobre o que fiz. Nunca mais trocamos qualquer palavra, na verdade - o que era meio esperado, mas também era meio triste.

Se chegar a ler isto, caro Chang, espero que esteja bem e saiba que, apesar de tudo, tenho boas lembranças de nosso team-up. Forte abraço!

O Catapop durou até 2018, quando eu quis “mudar tudo” e abri A Era do Ócio – nada mais que a mesma coisa com novo nome, falando bem francamente. A diferença é que, desde junho de 2021, A Era do Ócio publicava novidades somente no Instagram. O site existia, mas sem receber atualizações.

O primeiro banner do agora finado A Era do Ócio

Foram pouco mais de cinco anos, de outubro de 2018 a este janeiro de 2024, quando me deu comichão de a) escrever mais e melhor, sem o limite de caracteres que o Instagram impõe, b) reassumir o nome espertinho que eu tinha bolado, no blog que me deu tanta alegria, e c) deixar o Instagram apenas como teaser dos novos textos e ferramenta de visibilidade.

Tudo que escrevi aqui, entre 2005 e 2018, ficará arquivado, mas pode voltar a ver a luz do sol, aos poucos, numa seção de “Memória Catapop” ou coisa que o valha.

Sendo assim, obrigado a você que acompanhou o Era até aqui – e, mais uma vez, seja bem-vindo! Espero que abrace a mudança com entusiasmo e sinta-se em casa aqui, no seu novo/velho Catapop!