A fotografia granulada, combinada à tendência de alocar suas histórias no passado, confere aos filmes de Paul Thomas Anderson um ar de coisa vintage, se não francamente antiga. Ele certamente não se incomodaria em ser confundido como contemporâneo do jovem Martin Scorsese ou de Stanley Kubrick, para mencionar apenas dois de seus ídolos e claras influências. Suas histórias são contadas através de personagens desesperados, disfuncionais, traumatizados, arrependidos. Não é o que se possa chamar de cinema das multidões, mas, aos poucos, a resistência do público vem diminuindo.
O primeiro de seus filmes que assisti foi talvez o mais difícil deles, Magnólia (1999), com suas tramas entrelaçadas e o final mais intrigante daquele fim de século, muito discutido e pouco assistido de fato. Era apenas seu terceiro filme e, dois anos antes, ele já havia dado à luz uma pequena obra-prima, Boogie Nights. Desde então, o homem enfileirou filmes com roteiros que privilegiam a inteligência do espectador, direção estilizada, visual impecável e atuações soberbas. É dele, por exemplo, o filme chamado, em diversas listas, de melhor do século 21 (e eu concordo), o monumental Sangue Negro (2007). É raro que um filme de Paul Thomas Anderson não seja lembrado nas indicações ao Oscar.
Não deve ser diferente em 2026, quando Uma Batalha Após a Outra deve figurar em categorias importantes. Talvez seja o mais convencional entre seus dez filmes, mas, ainda assim, é um ao qual não se assiste impassível, principalmente por seus paralelos com a realidade dos EUA no presente. O momento da história não é explícito (e ainda existe um salto de 16 anos), mas só não vê quem não quer: ricaços supremacistas comandando o país, cidadão comum sem perspectivas, polícia e exército truculentos e imigrantes perseguidos.
Quando o fictício grupo revolucionário French 75 ataca um campo de detenção de imigrantes, Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor) é a líder de campo e "Ghetto" Pat (Leonardo DiCaprio) é seu namorado especialista em explosivos. O grupo liberta os detidos e Perfidia humilha sexualmente o oficial Steven Lockjaw (Sean Penn), que fica obcecado por ela e a surpreende durante um novo ataque. Quando o grupo é traído e vários de seus membros são capturados ou mortos, Perfidia foge do país e deixa com Pat a filha recém-nascida. Anos depois, a menina e Pat vivem como fugitivos, ele sob novo nome (Bob), mas Lockjaw ainda os persegue, agora com motivos mais pessoais.
As ótimas cenas de perseguição com carros (especialmente aquela no sobe-desce dos pontos cegos da Rota 78) aproximam Uma Batalha Após a Outra de um filme de ação mais convencional - ainda que ninguém seja sobrenaturalmente bom ao volante, pois os personagens de PTA são gente comum, mesmo as que têm aspirações e trabalhos incomuns. É por isso que as trocas de tiro são desajeitadas e as fugas nem sempre acabam bem. Isso é ótimo, e, felizmente, o público começou a entender, fazendo deste o maior sucesso comercial do diretor - o que significa cerca de 200 milhões de dólares para um custo médio de 150 milhões. Nada tão impressionante, mas lembre-se que estamos falando de um filme com quase três horas de duração, de um diretor tido como "difícil".
Brilhantismo técnico à parte, o filme apoia-se na entrega de seu elenco, com interpretações que devem receber acenos no próximo Oscar, especialmente Sean Penn. Seu Steve Lockjaw é hipócrita e patético, mas nem por isso menos perigoso. O ator some debaixo da pele do militar e tem algumas das melhores cenas do filme. DiCaprio é mais contido, mas Pat/Bob é um personagem muito rico em sua total inadequação e incansável dedicação no posto de pai de uma filha que pode nem ser sua. Também a intérprete da menina, Chase Infiniti, é um furacão. Pragmática e esperta, Willa é mais mãe de Bob do que filha e já começa a buscar seus próprios caminhos na luta e na vida. É possível que ainda sobrem acenos/prêmios para Regina Hall e Benicio del Toro.
Tendo visto mais de metade de sua filmografia, posso dizer que Paul Thomas Anderson já é um de meus favoritos, porque seu trabalho nada com força contra a maré de mediocridade e apatia que sempre ameaçou engolir Hollywood - e imagina viver num mundo em que os filmes (e a arte em geral) não servem para cutucar nossas feridas, somente nos anestesiar e desmobilizar de qualquer desejo de mudar este mundo horrível em que vivemos. Não imagine demais: já acontece, e é por isso mesmo que o cinema de PTA e semelhantes é tão necessário.

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