James Tynion IV ganhou moral dentro da DC Comics ao co-escrever a maxissérie Batman Eterno (2014) com Scott Snyder e outros. Em seguida, assumiu a Detective Comics, casa original do personagem, no começo da fase Renascimento, em 2016. Começou bem, mas não demorou a degringolar para a mesmice apelativa de destruir Gotham e/ou tirar a fortuna de Bruce Wayne e/ou desentocar segredos sujos dos seus pais e/ou fazer de um vilão mequetrefe qualquer um inimigo subitamente capaz de colocar o Batman e seus aliados de joelhos. Em suma, ficou um porre e me afastou do personagem.
Em seu favor, só mesmo o fato de que muitos outros depois dele, também, cometeram a mesmíssima besteira – de modo que, diante de seu nome numa capa de gibi, meu pulso não via motivos para acelerar. Como não li Something is Killing the Children, elogiado gibi autoral que Tynion lançou pela Boom! Studios (com o qual ganhou alguns Harvey e Eisner), não tinha qualquer base pra opinar sobre sua escrita fora do universo super-heroico.
Eis que A Bela Casa do Lago é lançada lá fora, pela DC Black Label – ou seja, a DC viu nela algo que 1) lembrava a produção da saudosa Vertigo, e 2) eles preferiam lançar a deixar que outra editora lançasse. Havia o título atraente, as capas bonitas e misteriosas e, por fim, o entusiasmo de um amigo (obrigado, Luwig!) que leu antes de mim e atestou a qualidade da coisa – e isso, antes de eu sequer notar aquele selo de “indicada ao Prêmio Eisner” na capa do segundo volume da edição nacional. Em suas doze partes, esta série chegou para surpreender aos descrentes no talento de James Tynion IV como escritor – eu entre eles.
Dez amigos são convidados para passar uma semana numa luxuosa e enorme mansão à beira de um lago, em Wisconsin. Quase todos eles já se conhecem há muitos anos. Funcionando como um fio costurando as relações entre o grupo, a devota amizade de Walter, autor do convite, um sujeito que todo mundo parece conhecer tão bem e tão pouco. Ao longo dos anos, Walter fez de tudo para que a amizade entre eles não se perdesse e, agora, parece haver um forte propósito nesta reunião – na qual todos têm um talento, pelo qual são identificados nos convites e nas instruções deixadas na casa: um músico, uma médica, uma escritora, e outros mais.
Nas primeiras horas do reencontro, aquela esperada alegria de rever amigos de longa data só é estremecida pela presença de Ryan, uma artista visual que é a amizade mais recente e inesperada pelo grupo, que apostava em outro amigo da mesma área. Apesar da promessa de que teriam internet de qualidade para trabalhar durante o período, o sinal é escasso e, quando finalmente permite alguma atualização, os amigos ficam sabendo que algo horrível aconteceu ao mundo fora dali. Quando finalmente surge na casa, Walter garante aos amigos que eles estão totalmente a salvo de qualquer perigo – isto é, desde que não deixem a bela casa do lago. A partir daí (e de algumas descobertas em suas explorações do terreno), os amigos começam a questionar tudo que sabem sobre Walter e a influência dele em suas vidas.
A arte do espanhol Álvaro Martinez Bueno (que lembra bastante a de Mitch Gerads, por exemplo) acompanha o tom sombrio da história, entregando certa escuridão que acompanha os habitantes da casa, mesmo durante o dia. Se a casa é descrita como bela e opulenta e o cenário em volta parece muito convidativo do alto, dos interiores e do chão da floresta tudo parece meio desgastado e perigoso (seguindo a percepção dos envolvidos, talvez).
O sucesso de crítica e pública garantiu uma sequência, The Nice House by the Sea (em tradução livre, A Bela Casa da Praia), que esperamos chegar em breve pela Panini. Lá fora, foi a série que reabriu as portas da Vertigo, aquecendo o coração do leitor saudoso e insatisfeito com o Black Label, que, apesar do sucesso de vendas, era um forte desvio do conceito original. O que queremos são mais originais autorais e menos versões alternativas do Batman e correlatos. Se A Bela Casa do Lago servir de indício, podemos dizer que Tynion reabriu os trabalhos da nova velha Vertigo de maneira espetacular.