20/07/2025

Batman: Acossado


Qualquer um que tenha lido os quadrinhos de linha do Batman, nos últimos 15 ou 20 anos, certamente se deparou com uma manobra constante: a de inserir novos fatos “chocantes” no passado do personagem. As vítimas preferenciais da apelação são os pobres Thomas e Martha Wayne, difamados e maltratados até não poder mais – porque, afinal, um cara que se mete em uma fantasia de morcego para socar bandidos à noite só pode ser muito dodói das ideias, né, e seu trauma seguramente vem mais do fato de que seus pais eram uns merdas do que exatamente de sua morte, segundo um psicologismo raso e bobo, que já se prolongou por muito mais tempo do que deveria.

A DC até se esmera na escolha dos roteiristas para o personagem, mas mesmo gente testada e aprovada parece empenhada em dar sua questionável cota de contribuição, adicionando um fato “bobástico" sobre os Wayne. ou sobre algo muito burro que o Batman fez no passado e deu muito ruim no presente. Essas tolices acabam, claro e felizmente, esquecidas em dois tempos, porque, na verdade, a essência original do Batman é forte o suficiente para garantir um chão seguro para qualquer bom argumento: filho de pais amorosos fica órfão de maneira violenta e passa a lutar para garantir que ninguém mais sofra o que ele sofreu. É muito simples e é muito sólido. 

Houve um tempo em que inserções no passado do Batman eram feitas de um jeito bem mais elegante, que não mudava o que era intrínseco ao personagem. O título Legends of the Dark Knight – que a Editora Abril trouxe para nós como Um Conto de Batman, a partir de 1991, em forma de minisséries especiais – trazia aventuras dos primeiros anos de atuação do herói, enriquecendo o conhecimento sobre suas motivações e seu treinamento, sem transformá-lo num hipócrita e sem jogar a reputação de seus pais na lama.

Além de serem belas histórias (quase sempre, pelo menos), as capas tinham uma unidade visual que lhe dava muita personalidade. Com o passar dos anos e os sucessivos relançamentos em encadernados, esse charme acabou perdido. Foi numa dessas versões reestilizadas que Acossado voltou pela Panini – e eu, que, volta e meia, me via obrigado a me desfazer de partes de minha coleção a cada mudança (já viram quanto pesa uma caixa de gibis?), aproveitei a chance de ter um de meus Contos de Batman favoritos de volta na estante.

Na história, Batman está em seus primórdios de luta contra o crime: a polícia está em seu encalço e somente o ainda capitão James Gordon apoia sua atuação. Por mais que ajude em capturas e salvamentos, ele ainda é visto como mais um problema pra polícia resolver. A opinião pública e midiática está igualmente dividida, e vários especialistas se dedicam a tentar desvendar sua identidade e suas motivações – entre eles, Hugo Strange, famoso e polêmico psiquiatra. Com a ajuda de uma força-tarefa da polícia de Gotham, liderada pelo disciplinado e obcecado sargento Maxwell Cort, Strange vai chegando cada vez mais perto da verdade sobre o Batman.

Aqui, Doug Moench está em grande fase. Passaram-se mais de 30 anos desde que foi escrita, mas Acossado ainda é lida com grande prazer e, mesmo que os quadrinhos não sejam o meio ideal para grandes aprofundamentos, os insights psicológicos de Hugo Strange nunca descambam para o óbvio ou absurdo. Os momentos em que “personifica” o Batman (com direito a uniforme), emulando a provável linha de raciocínio do herói, chegam a exalar certo erotismo, tamanho o frenesi de Strange a cada conclusão. Não é diferente com Batman/Bruce. Os diálogos são precisos e temos aqui “o Batman que vale”, em qualquer época: um investigador implacável no topo do vigor físico (mas sofrendo as agruras de seu um vigilante pedestre, já que o Batmóvel ainda não está pronto).

Paul Gulacy – um desenhista cujo estilo não me agradou de primeira, quando, na Batman de 1987 da Abril, uma história sua sucedeu o impoluto Ano Um, de David Mazzucchelli – está desenhando o fino, também (impressão apoiada pela ótima arte-final de Terry Austin). Algumas expressões faciais podem lembrar os rostos “de psicopatas” de Gary Frank, mas, vindo do título do Mestre do Kung-Fu, na Marvel, Gulacy impõe ao Batman algumas poses e movimentos bem elegantes. Há ainda uma vibe geral meio Jim Steranko, o que é sempre bom sinal.

De resto, reforço o quanto é bom ler uma história dos tais “bons tempos” que ainda funciona perfeitamente, sem que pareça, por um momento que seja, datada ao ponto de essas inevitáveis diferenças temporais tirarem a atenção do leitor. Acossado é leitura altamente recompensadora.

A segunda metade do encadernado é composta de Terror, história em cinco partes, continuação “direta” de Acossado, lançada onze anos depois, com os mesmos Moench e Gulacy. Nela, Hugo Strange volta ainda mais obcecado e se alia ao Espantalho para atormentar o Batman. Porém, tudo aqui fica muito abaixo da régua estabelecida em 1990. É tudo muito raso e cartunesco, do tom geral da trama aos desenhos bem menos inspirados. Só mesmo o fato de que as histórias falam uma com a outra justificam sua inclusão num livro que poderia ter metade do volume (e do preço), além de ser um perfeito exemplo do que acontece quando artistas não sabem a hora de deixar o próprio legado em paz. Nada que prejudique a reputação da história original, mas, definitivamente, uma lição a ser aprendida.

2 comentários:

Caesius Maximus disse...

Entre o finzinho dos anos 80 e o início dos anos 90 houve um período de ouro para a DC. Muita coisa boa foi trazida à luz e a série Um Conto de Batman realmente era surpreendente para esse careca que na época ainda era um adolescente entrando no mundo do Morcegão.

Gothic é minha preferida nessa coleção, mas acossado, pelo tanto de detalhes, é minha segunda na lista.

Ainda tenho as edições da Abril. Essas não tive coragem de doar para a gloriosa Gibiteca de Curitiba.

Marlo de Sousa disse...

Aquele cinquentenário do Batman foi um tsunami que varreu as bancas (no melhor dos sentidos) por uns quatro anos, pelo menos. Belos tempos! Por favor, guarde suas edições da Abril. São as mais lindas que há. =)