Vamos logo falar do elefante no meio da sala: eu não vejo problema na ausência completa do Batman, mesmo em diálogos. Entendo o personagem do filme como sendo um vigilante em início de carreira, o que pode perfeitamente explicar por que ele deixaria de saber ou não consiga atuar sobre os esquemas vistos na série. Ele ainda está aprendendo a ser o Batman – talvez subestimando a escala e o alcance do crime na cidade, por assim dizer.
De maneira semelhante, tampouco o Pinguim já é aquele bandidão estabelecido dos quadrinhos: neste universo e neste momento, está mais para empregadinho do que para chefão. No calor dos eventos depois da morte de Carmine Falcone, em Batman, Oswald “Oz” Cobb tenta se apoderar de um trunfo que pode permitir-lhe alguma ascensão no mundo do crime em Gotham. Ao invadir o escritório de seu finado patrão, porém, ele age no calor da emoção e do orgulho, cometendo o ato que põe em marcha seu plano - que ele nem sabe muito bem ainda qual é.
Lembra do selo HBO de qualidade a que me referi lá no começo? Pois bem, ele é perceptível em cada fotograma de cada um dos oito episódios de Pinguim. Desde os cenários daquela que talvez seja a melhor Gotham City das telas, passando pelo roteiro que privilegia o clima noir da história, até desembocar nas atuações simplesmente acachapantes do elenco principal, tudo é de altíssima qualidade. Em sua maquiagem espantosa, Colin Farrell já havia “sumido” em seu personagem no filme de 2022, mas o que ele alcança aqui, com maior tempo de tela e desenvolvimento, certamente o conduzirá a uma gorda temporada de prêmios. Oz é o mafioso mais carismático da TV desde Walter White, de Breaking Bad.
Seu mais constante parceiro de cena, a revelação Rhenzy Feliz, intérprete do inesperado sidekick Victor Aguilar, tem a inocência hesitante de quem se vê arrastado pra dentro de um mundo que não é o seu e se deslumbra com o que pode conseguir dele, mas que abomina a ideia de recorrer à violência, ainda que isso nem sempre o detenha.
Todos estes personagens estão tão carregados de dualidade moral, que fica difícil eleger um favorito. A estes, junta-se um elenco notável de coadjuvantes, incluindo Michael Kelly, Clancy Brown, Shohreh Aghdashloo e Mark Strong, entre outros. Com seu andar trôpego e conversinha de “homem do povo”, Oz vai colocando todos no bolso, um por vez, e pondo ideias na nossa cabeça: “pelo menos, ele é bom filho”, “gosta do Victor”, “cuida do povo do bairro”, mas, não se engane: o Pinguim é um vilão, não é um anti-herói. Ponto pra todo mundo que se lembrou disso, ao escrever.
Não é o DCU que temos, mas certamente é aquele que queremos e merecemos. A vida em Gotham não é tão madrasta assim, afinal.