13/07/2025

Superman


Eu cheguei a escrever dois parágrafos de introdução, contando como a DC chegou atrasada e comeu poeira na corrida das adaptações de quadrinhos das duas últimas décadas, falando de tudo que deu errado e de como a culpa era toda do Zack Snyder, mas, pensei melhor e vi que chutar cachorro morto não resolve coisa alguma. O certo a fazer é deixar o passado morrer.

Superman chega para enterrar de vez a estapafúrdia noção de que o Universo DC seja “sombrio e realista”, um pueril combo de adjetivos que, se o bom Rao permitir, jamais voltaremos a usar, principalmente para falar de um filme do mais solar dos super-heróis. É um filme que abraça, sem vergonha alguma, tudo que faz o Superman único entre seus pares: o poder, o otimismo, a fé no potencial da humanidade, e a absoluta necessidade de salvar todas as vidas que puder. Além disso, o faz com cores vibrantes, emoção e bom humor.

A exemplo do que fez Grant Morrison em Grandes Astros: Superman, contando a origem do herói em apenas quatro quadros com legendas curtinhas, James Gunn também abdica da necessidade de contá-la mais uma vez. No mundo do filme, Superman e outros super-heróis já estão estabelecidos e absorvidos pela opinião pública. São um fato da vida. Na verdade, o filme começa no meio de uma briga, a primeira perdida pelo herói. A partir daí, somos sugados para dentro do plano de Lex Luthor para tirar a credibilidade e a vida do herói – e, olha, está funcionando. A primeira cena é aquela que ficou famosa nos trailers, com o herói caindo no Ártico, todo arrebentado, e sendo resgatado por Krypto.

Superman também está sendo questionado por sua intervenção em um conflito internacional, entre as nações fictícias de Borávia e Jarhanpur – e semelhanças entre ficção e realidade devem ser vistas pelo que são: provocação deliberada a tiranos do mundo real, e eles que vistam a carapuça, se quiserem. Ao herói, interessava impedir a perda de vidas, dada a desproporção do aparato militar da Borávia ao invadir a paupérrima Jarhanpur. Ao fazê-lo, porém, Superman (um alien americano, enfim) erra a mão e desencadeia tensão diplomática e um pesado revide, com um suposto defensor boraviano, o Martelo de Borávia, se juntando aos já muito poderosos agentes de Luthor, Ultraman e Engenheira.

Os acertos desta caracterização do herói vão além de sua inabalável bondade. Superman tranquiliza os que salva, sempre com uma piada pronta para minimizar o susto da vítima, e até para que ele próprio não se deixe abater pela gravidade das ameaças que enfrenta. A certa altura, ele não consegue impedir a morte de uma pessoa querida, e a gente se choca e sofre com ele. Aquela lágrima escorre ardida e, se tudo der certo, ela há de fazer todo mundo esquecer que, um dia, já fizeram do Superman um ser que pairava, inacessível, acima da humanidade, e que quebrou o pescoço do primeiro vilão que enfrentou.

Mas, perdão, divaguei.

Outro que está fielmente caracterizado é Lex Luthor, que, há três anos, usa sua fortuna para comprar alianças e tecnologia que o ajudem a livrar-se do kryptoniano, a quem enxerga como uma ameaça ao potencial da humanidade e um eterno lembrete de nossa inferioridade. Inteligente, arrogante e mesquinho, Luthor é um vilão “raiz”, arquetípico, ao ponto de dar um daqueles discursos em que detalha todo seu plano maquiavélico.

Obviamente, o filme poderia ter virado um cemitério de boas intenções, caso Gunn não tivesse se cercado de gente talentosa. O maior dos acertos é o próprio protagonista: David Corenswet acerta cada nota, seja como Superman ou Clark Kent, exalando charme, bravura e retidão moral – e a gente só não decreta que ele está melhor que Christopher Reeve pela heresia que dizer isso representa, mas, olha, ele chega bem perto. O mesmo pode ser dito sobre Nicholas Hoult como Lex Luthor – uma escolha que me deixou desconfiado no começo, mas que se justifica: Hoult está ótimo como gênio do mal, mentiroso cínico e namorado tóxico.

O elenco coadjuvante também não deixa a peteca cair: Rachel Brosnahan é uma Lois Lane sagaz e determinada, mostrando muita química com Corenswet; Skyler Gisondo faz rir como um Jimmy Olsen galã involuntário; o resto do staff do Planeta Diário carece de oportunidades para brilhar, principalmente o ótimo Wendell Pierce, que faz Perry White.

A “Gangue da Justiça”, protótipo da inevitável Liga que virá, cumpre bem seu papel, já ostentando fama própria e ajudando a tirar o Super de enrascadas. Isabela Merced faz uma boa Moça-Gavião, mas é meio samba de uma nota só. Nathan Fillion tem ótimos momentos como Guy Gardner, o metido Lanterna Verde com cabelinho de cuia; mas quem brilha muito é Edi Gathegi como Sr. Incrível, um herói que 90% do público “civil” deve desconhecer, mas que conquista espaço nobre, com uma das melhores sequências de ação do filme e uma petulância intelectual meio militar e meio autista – e é um barato ver a Sala de Justiça, linda por fora e em obras por dentro.

Outro imenso destaque é Krypto. O supercão é ainda apenas um filhote grande e, como tal, é estabanado e impulsivo, sem noção da própria força e tamanho, mordendo tudo que vê como brinquedo e buscando colo como se fosse um pinscher zero. Um belo argumento em favor da utilização de bichos digitais.

Há outros bons personagens, como Metamorfo (Anthony Carrigan), o robô número 4 (Alan Tudyk) e os adoráveis pais adotivos de Clark Kent (Pruitt Taylor Vince e Neva Howell), velhinhos caipiras do Kansas, no melhor dos sentidos. Frank Grillo finalmente aparece como Rick Flag Sr. em carne e osso, depois de dar voz ao personagem na animação Comando das Criaturas; Sean Gunn faz rapidíssima aparição, como Maxwell Lord, o financiador da Gangue da Justiça; e William Reeve, filho de Christopher, aparece como um repórter de TV.

Não é que Superman acerte em absolutamente tudo: existem algumas soluções apressadas e umas gags previsíveis, mas, no geral, Gunn fez um ótimo trabalho em reposicionar o Superman como o modelo de herói a seguir. Reconhecemos aqui e ali influências e homenagens, mas, do jeito que está, é uma ótima história original, já preparando o terreno para um novo filme deste universo. Com ação, humor, surpresas e substância, é uma reabertura que deixa ótima impressão para os novos rumos da DC no cinema. Que a mão de James Gunn seja tão generosa e firme na condução dos próximos trabalhos (seja como diretor, produtor ou supervisor) quanto a do maior dos heróis.