DEPECHE MODE
Violator
1990
Existe uma regra não escrita no rock/pop, segundo a qual o artista deve lançar sua obra-prima até os 30 anos de idade, sob risco de perder o momentum de seu pico criativo. Há uma variedade de discos corroborando a tese: Achtung Baby do U2, Disintegration do The Cure, o “Black Album” do Metallica, e tantos outros.
Para o Depeche Mode, celebrando uma década de atividade em 1990, os últimos anos haviam sido de esforço para desvencilhar-se da frivolidade do pop dançante adolescente dos primeiros anos. Não que a banda devesse desculpar-se por “Just Can’t Get Enough” e semelhantes, mas bons artistas são naturalmente inquietos, buscando fazer sua música transcender velhas limitações, normalmente, abandonando sonoridade, discurso ou atitude que não mais agregam valor.
Nascido com o selo do tecnopop new romantic, o DM foi, gradualmente, dando uma guinada sombria em seus temas e tons. Ainda era capaz de fazer dançar, como se pôde comprovar em “Strangelove”, maior sucesso do último de seus discos dos anos 80, Music for the Masses (1987), mas mesmo este vinha envolto em sugestões pouco sutis de sadomasoquismo. Então, com a chegada da nova década e a proximidade dos 30 anos para seus integrantes, ou as inquietações do DM os consumiriam, ou gerariam seu magnum opus.
Felizmente, desde que lançaram o single “Personal Jesus”, ainda em agosto de 1989, houve pouca dúvida de que o Depeche Mode voltava com um trabalho muito vigoroso. À poderosa batida marcial e inspirado riff de guitarra, juntou-se a mística da letra, cuja improvável inspiração é a relação de Elvis Presley e sua esposa, Priscilla: trata de como você, em um relacionamento, pode tornar-se, até certo ponto, salvador e guia espiritual de seu parceiro. “Alguém para ouvir suas orações, alguém que se importe”, diz a letra.
Anos depois, Johnny Cash a regravaria, acentuando o caráter bluesy do riff de guitarra.
Pouco mais de um mês antes da chegada do novo álbum, o segundo single, “Enjoy the Silence”, estabeleceu o DM como uma das grandes coisas do ano, que mal havia começado (era 5 de fevereiro). Tratava-se de uma balada arrepiante, com um loop introdutório que deve ter deixado o Kraftwerk orgulhoso, uma síntese equilibrada de clima romântico dark e leve potencial dançante. A letra, no bonito timbre barítono de Dave Gahan, fala daqueles momentos em que a pessoa amada só precisa estar junto pra fazer bem, já que juras de amor costumam ter prazo de validade: “Tudo que eu sempre quis (...) Está aqui em meus braços / Palavras são bastante desnecessárias / Elas só podem fazer mal”. A aula magna de programação e a classe pop de Andrew Fletcher e Alan Wilder jogaram às alturas a expectativa sobre o novo álbum.
Depeche Mode em 1990: Andrew Fletcher, Dave Gahan, Martin Gore e Alan Wilder
Violator compensou a espera, embora se possa argumentar que as sete outras canções do disco talvez não brilhem tão intensamente quanto os singles que o precederam. Porém, não se pode ficar indiferente ao romantismo e sensualidade desavergonhados de “World in My Eyes”, faixa de abertura e quarto single extraído, prova cabal de que o Depeche Mode ainda sabia o que funcionava nas pistas de dança. Aos poucos, porém, o synthpop da banda abria caminho para arranjos mais rock and roll, como em “Sweetest Perfection” e na já citada “Personal Jesus”, uma tendência que a banda ainda seguiria em futuros álbuns. Mesmo elas, porém, ainda que calcadas em frases de guitarra (e Martin Gore mostra muita segurança nas seis cordas), são entremeadas com precisos ruídos eletrônicos (o que é, também, efeito da ótima co-produção de Flood). As filosóficas e climáticas “Halo” e “Policy of Truth” estão entre as melhores coisas que a banda já produziu, mas somente a última tornou-se single (o terceiro). Martin Gore refere-se a “Halo” como uma “defesa da imoralidade, mas com certo senso de culpa”, ao som de uma batida forte e cordas sintetizadas grandiosas. Por sua vez, “Policy of Truth” fala das consequências de não guardar certos segredos, como um lapso de infidelidade. Abrir o jogo nem sempre vai ser visto com bons olhos: “Nunca mais outra vez, foi o que você jurou da vez anterior”. “Blue Dress” tem um romantismo quase pueril, advindo do poder sugestivo de um objeto tão simples – como um vestido azul: “Vista-o, eu nem preciso tocar (...) Diga que acredita no quanto é fácil me agradar / Porque, quando aprender, você vai descobrir o que faz o mundo girar”. Fechando os trabalhos, “Clean” põe sua clara inspiração em “One of These Days”, do Pink Floyd, a serviço de uma letra de Martin Gore que, embora deva estar tratando de seus próprios processos de terapia e autocontrole, cai como uma luva na voz de Dave Gahan, tendo sido ele o integrante que mais problemas teve com o abuso de drogas, chegando a sofrer overdose e quase morrer, em 1996. Já se vão 35 anos desde Violator e, ainda que o Depeche Mode não tenha mais estado tão proeminente no mundo pop, como esteve em 1990, e embora tenham perdido dois colegas (Alan Wilder saiu em 1995 e Andrew Fletcher morreu em 2022), Dave Gahan e Martin Gore seguem ativos e influentes (seu último álbum, Memento Mori, de 2023, começou a ser composto antes da morte de Fletcher e, sem querer, funcionou como elegia ao amigo). Não há como prever por quanto tempo mais o Depeche Mode ainda existirá, mas, no que tange à sua obra-prima dos 30 anos, eles podem relaxar: a regra não escrita foi respeitada com rigor. Violator é um clássico desde seu parto.
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Depeche Mode
Violator
Produzido por Depeche Mode e Flood
Lançado em 19 de março de 1990
1. World in My Eyes
2. Sweetest Perfection
3. Personal Jesus
4. Halo
5. Waiting for the Night
6. Enjoy the Silence
7. Policy of Truth
8. Blue Dress
9. Clean