03/11/2025
Olhe! Lá no céu!
Escuta Aqui, Vol. 1
SORTEIO - Sandman: Prelúdio, um sonho de HQ
Baú do Catapop #1
21/10/2025
Música & Mágica #8
30/09/2025
A Saga da Mulher-Maravilha #1 (Segunda Temporada)
Enquanto A Saga do Batman e A Saga dos X-Men já ultrapassaram todas as expectativas de sucesso (com algumas edições simplesmente sumindo do mercado ou sendo vendidas a peso de ouro), com a primeira confirmada para relançamento de sua primeira temporada (em sistema de assinatura e box de coleção), as Sagas de heróis menos populares prosperam mais devagar, com suas edições bimestrais. É o caso da Mulher-Maravilha, cuja primeira temporada trouxe, em sete edições, a fase de John Byrne - de que já não gostei em seu lançamento original, pela Editora Abril, e, portanto, evitei.
Na oitava edição, começa a segunda temporada de A Saga da Mulher-Maravilha, com a primeira fase escrita por Greg Rucka - o que significa que a Panini saltou, sem qualquer cerimônia, a fase com Phil Jimenez na escrita e na arte (na qual ele colaborou brevemente com sua principal influência, o saudoso mestre George Pérez). É mais uma decisão questionável da editora, embora não tão grave quanto foi, para mim, o hediondo duplo twist carpado que deram sobre a extensa e gostosa fase de Joe Kelly, quando esta seria a coisa mais lógica para inaugurar a segunda temporada d'A Saga da Liga da Justiça; ou a amada fase de Tom Grummett, na agora finada A Saga dos Novos Titãs, ignorada em favor da fase de Geoff Johns, medíocre e já publicada dentro da própria Panini.
Nas mãos de Greg Rucka, Diana atua como embaixadora de Themiscyra nos Estados Unidos (com direito a escritório, assessores e toda a burocracia que vem junto). Ao mesmo tempo, Diana publica um livro com uma versão resumida de sua visão de mundo, gerando muita controvérsia. Era 2003, quando a internet ainda era "mato", as redes sociais ainda eram relativamente "inocentes", mas já se discutiam o ódio gratuito e a defesa apaixonada de opiniões preconceituosas e sem embasamento. Se os americanos tivessem a mínima ideia de como as coisas degringolariam em 20 anos...
Bom, talvez eles tivessem, e o plano fosse esse, mesmo.
Enfim, Diana está ocupada como jamais pensou que estaria, equilibrando-se entre os papéis de heroína, diplomata, celebridade literária e mulher com vontades bem humanas, como comer doce e ter um boy pra chamar de seu. Mais ou menos alheias ao seu controle, pequenas e grandes conspirações se revelam, vindas de muito longe (com as dinâmicas de poder entre um Zeus cada vez menos influente e uma Hera cada vez mais ciumenta representando perigo para todas as amazonas) e de muito perto (com a cientista e empresária Veronica Cale desvirtuando as palavras e ações de Diana, provocando reações cada vez mais negativas da população).
Não é uma unanimidade, mas me agrada a caracterização de Diana como uma pessoa extremamente paciente diante da raiva e da burrice de seus detratores, ao mesmo tempo em que precisa ser implacável com antigos e novos inimigos (entre estes, a versão deturpada e letal de uma amiga querida). O grande diferencial da escrita de Greg Rucka está nas interações sociais de Diana com as pessoas em seu entorno, sejam os funcionários da embaixada, os colegas da Liga, repórteres ou cientistas. É um gibi no qual não falta ação (este não é, afinal, um conceito limitado a tiro, porrada e bomba), mas Rucka não tem pressa em posicionar as peças no tabuleiro. Mistério e intriga são especialidades suas desde sempre.
Chama atenção, também, a reestilização dos deuses olimpianos: exceto por Zeus e Hera (mais velhos e apegados aos costumes do passado), todo o panteão se veste e se comporta como humanos modernos, ostentando cabelos estilosos, óculos escuros e roupas da moda. Atena é vista com um iPad. Hermes fuma maconha o dia todo. Pouco lembrados pela atual sociedade ocidental, o que resta a fazer para deuses sem seguidores? O mais antigo dos bons conselhos: aproveitar a vida - o que fica ainda melhor quando dinheiro e tempo não são problemas.
A arte de Drew Johnson também traz novidades para o visual de Diana: com uma pele mais morena, cabelos muito lisos e nariz alongado, a heroína agora lembra menos uma caucasiana e mais uma persa (exceto, talvez, pelos olhos muito azuis). Tal mudança, porém, não é refletida nas ótimas capas da fase, com belas ilustrações de Adam Hughes e J. G. Jones (há duas de Phil Noto neste volume, mas parecem estranhas e indignas junto às demais), em que Diana é a mesma top model entalhada em mármore que conhecemos desde sempre.
Foram 30 edições escritas por Rucka, então, talvez esta segunda temporada seja ainda mais curta que a primeira. Caso prossiga, trará a fase de Allen Heinberg, que foi comprometida por atrasos e enxertada com uma série catastrófica, "O Ataque das Amazonas". Outro salto deixaria tudo muito perto da cronologia atual (outro erro cometido com a A Saga da Liga da Justiça), então, talvez seja o momento de a) mandar a cronologia às cucuias e publicar as 25 edições de Phil Jimenez, ou b) sacrificar mais uma Saga mal-planejada, em nome de uma "segurança" editorial discutível.
24/09/2025
Alien: Earth
Não muito tempo atrás, Alien era uma das franquias mais maltratadas por Hollywood. Agora, por mais improvável que pudesse parecer há coisa de uns 10 anos (quando Alien: Covenant, de 2017, fazia crer que ninguém - nem mesmo seu criador, Ridley Scott – seria capaz de torná-la relevante outra vez), estamos vivos em 2025 e testemunhando o retorno do monstrengo à boa forma. Ano passado, tivemos o enxuto e eficiente Alien: Romulus, de Fede Alvarez. Este ano, surpresa ainda maior nos foi reservada com a série Alien: Earth.
Se já estava difícil engolir duas horas de xenomorfo a cada três ou cinco anos, imagina como seria aguentar cerca de oito horas disso em umas poucas semanas. Então, é preciso ser compreensivo com quem, como eu, achou que tirar mais leite dessa pedra parecia uma ideia prematura e ruim. Sem entusiasmo para buscar detalhes sobre a produção, não vi o nome de Noah Hawley entre os envolvidos. Hawley é roteirista de dois grandes e respeitados hits: as séries Fargo e Legion.
Os primeiros dois episódios são formulaicos, até previsíveis: uma nave desgovernada cai sobre a sede da Prodigy, uma das cinco corporações que substituíram os governos e “pacificaram” a Terra. Em seu interior, uma tripulação literalmente despedaçada e uns poucos espécimes alienígenas - entre os quais, um xenomorfo adulto e alguns ovos de facehuggers (aquela “aranha” que gruda na cara e deposita o feto do bicho no tórax da vítima). Jump scares, paramilitares... Tudo faz parecer que estamos diante de um filme mediano, esticado muito além de qualquer bom-senso – ainda mais considerando a presença de não uma, não duas, mas seis crianças, com suas mentes em corpos adultos artificiais.
Felizmente, também existe do que gostar logo de cara: o ciborgue Morrow (Baboo Ceesay) e o sintético Kirsch (Timothy Olyphant, em grande momento) são dois tipos memoráveis, rivais tecnológicos em lados opostos no esforço de contenção da fauna alienígena: enquanto o implacável Morrow foi o único sobrevivente da queda da nave Maginot (que pertence a uma corporação concorrente, a Weyland-Yutani), o impassível Kirsch tenta assegurar a posse dos estranhos bichos para o super-rico, superdotado e supermimado dono da Prodigy, o excêntrico e amoral Boy Kavalier (Samuel Blenkin, igualmente hipnótico e repulsivo no papel).
Com a apreensão e remoção dos espécimes para a ilha de pesquisas da Prodigy, a série finalmente engata uma segunda marcha e não para de ficar mais interessante a cada capítulo. Além do constante perigo representado pelos animais (com apetite voraz e diferentes graus de inteligência), também as crianças-prodígios acabam sendo o centro de diversas discussões éticas sobre a transferência de corpos que sofreram. Elas ainda são quem eram antes? Ainda são pessoas ou são meros produtos? Ao tirar suas mentes de seus corpos doentes e garantir-lhes virtual imortalidade, a Prodigy foi benevolente ou cruel?
As questões filosóficas, porém, estão em equilíbrio com a ação, e a série não nos poupa do gore que tornou a franquia famosa: prepare-se para muito sangue e algumas cenas dignas de pesadelos (você nunca mais vai olhar para uma ovelha como antes). Novos monstros e suas criativas formas de matar tiram Alien: Earth do marasmo que seria depender exclusivamente do xenomorfo desenhado por H. R. Giger (agora, visto em plena luz do dia, sob o sol tropical da ilha da Prodigy). Algumas dinâmicas entre os espécimes e diversos personagens são inesperadas (não dava para todo mundo ser só comida, afinal) e logo a gente percebe que Wendy (Sydney Chandler), a primeira das crianças artificiais, tem muito mais a oferecer do que vigor físico inesgotável.
O abundante uso de efeitos práticos ajuda a afastar o ranço a que estaríamos suscetíveis com excesso de CGI (o uso do recurso é discreto). O suspense e a tensão crescem durante a primeira metade e explodem no quinto episódio, quando descobrimos o que aconteceu na Maginot antes de sua queda. O prazer de assistir a um bom produto da franquia Alien é completado por uma trilha sonora que, ao fim de cada episódio, traz um rockão que serve de comentário ao que foi visto desde a abertura: prepare-se para bater cabeça ao som de Black Sabbath, Metallica, Tool, Queens of the Stone Age e Pearl Jam, entre outros.
Alien: Earth é mais uma injeção de sangue novo (com ou sem trocadilho, você decide) em uma franquia que passou décadas respirando por aparelhos, mas que parece ter encontrado um bom rumo e, mais importante ainda, gente capaz de guiá-la até lá. Tudo no último episódio grita que haverá uma segunda temporada – e ainda bem que não estamos na Terra, porque “no espaço, ninguém pode ouvir você gritar”. Com o rigor e diversão vistos aqui, o quase cinquentão xenomorfo seguirá assombrando mais algumas gerações.
12/09/2025
Música & Mágica #7
Violator compensou a espera, embora se possa argumentar que as sete outras canções do disco talvez não brilhem tão intensamente quanto os singles que o precederam. Porém, não se pode ficar indiferente ao romantismo e sensualidade desavergonhados de “World in My Eyes”, faixa de abertura e quarto single extraído, prova cabal de que o Depeche Mode ainda sabia o que funcionava nas pistas de dança. Aos poucos, porém, o synthpop da banda abria caminho para arranjos mais rock and roll, como em “Sweetest Perfection” e na já citada “Personal Jesus”, uma tendência que a banda ainda seguiria em futuros álbuns. Mesmo elas, porém, ainda que calcadas em frases de guitarra (e Martin Gore mostra muita segurança nas seis cordas), são entremeadas com precisos ruídos eletrônicos (o que é, também, efeito da ótima co-produção de Flood). As filosóficas e climáticas “Halo” e “Policy of Truth” estão entre as melhores coisas que a banda já produziu, mas somente a última tornou-se single (o terceiro). Martin Gore refere-se a “Halo” como uma “defesa da imoralidade, mas com certo senso de culpa”, ao som de uma batida forte e cordas sintetizadas grandiosas. Por sua vez, “Policy of Truth” fala das consequências de não guardar certos segredos, como um lapso de infidelidade. Abrir o jogo nem sempre vai ser visto com bons olhos: “Nunca mais outra vez, foi o que você jurou da vez anterior”. “Blue Dress” tem um romantismo quase pueril, advindo do poder sugestivo de um objeto tão simples – como um vestido azul: “Vista-o, eu nem preciso tocar (...) Diga que acredita no quanto é fácil me agradar / Porque, quando aprender, você vai descobrir o que faz o mundo girar”. Fechando os trabalhos, “Clean” põe sua clara inspiração em “One of These Days”, do Pink Floyd, a serviço de uma letra de Martin Gore que, embora deva estar tratando de seus próprios processos de terapia e autocontrole, cai como uma luva na voz de Dave Gahan, tendo sido ele o integrante que mais problemas teve com o abuso de drogas, chegando a sofrer overdose e quase morrer, em 1996. Já se vão 35 anos desde Violator e, ainda que o Depeche Mode não tenha mais estado tão proeminente no mundo pop, como esteve em 1990, e embora tenham perdido dois colegas (Alan Wilder saiu em 1995 e Andrew Fletcher morreu em 2022), Dave Gahan e Martin Gore seguem ativos e influentes (seu último álbum, Memento Mori, de 2023, começou a ser composto antes da morte de Fletcher e, sem querer, funcionou como elegia ao amigo). Não há como prever por quanto tempo mais o Depeche Mode ainda existirá, mas, no que tange à sua obra-prima dos 30 anos, eles podem relaxar: a regra não escrita foi respeitada com rigor. Violator é um clássico desde seu parto.
30/07/2025
Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos Anos 80, de Ricardo Alexandre
Eu entrei na década de 1980 com sete anos de idade. Os males da época, como ditadura, inflação, reserva de mercado e outros, não me preocupavam. Eu só queria saber de ler os gibis da Disney e da Turma da Mônica. Com o tempo, descobri Marvel e DC. Lia os meus, de amigos, de parentes. A bem da verdade, eu lia qualquer coisa que caísse nas mãos. Era meio como um tique nervoso.
Porém, quase um ano antes de começar a comprar gibis com meu próprio dinheiro (hábito que jamais abandonei totalmente, ao longo dos últimos 40 anos), me vi acometido por outras duas paixões: uma de ouvir e uma de ler.
A primeira delas já se insinuava para mim havia algum tempo: o rock and roll. Uma das memórias mais antigas que tenho é a de estar na casa de meus padrinhos, em Feira de Santana, por volta de 1979 e, insistentemente, repetir “(I Can’t Get No) Satisfaction”, dos Rolling Stones, em seu toca-discos. Eu não fazia ideias das palavras que Mick Jagger estava proferindo – eu não sabia sequer quem era Mick Jagger! – mas isso não importava: aquela batida, aquela melodia e aquele refrão me pegaram de tal maneira naquele momento que, quase 50 anos depois, aqui estou eu falando deles. Em minha própria casa, eu me lembro que meu pai tinha, entre outros, a coletânea Shaved Fish e o álbum Double Fantasy, de John Lennon. “Mind Games”, “Instant Karma”, “Woman” e “(Just Like) Starting Over” tocavam até dizer chega – principalmente porque, pouco depois de lançar Double Fantasy, Lennon seria morto a tiros, e a comoção foi geral.
Em janeiro de 1985, meu amor pelo rock foi confirmado, carimbado e assinado em três vias timbradas com o acontecimento do primeiro Rock in Rio. Aquelas pessoas estranhas e legais, que eu já acompanhava por programas de clipes e FMs, estavam ali, “pertinho” (elas, no Rio; eu, em Ibotirama, no remoto oeste baiano), e eu sempre queria assistir aos compactos que a Globo exibia nas tardes de sábado. Ao lado de grandes nomes estrangeiros, estavam muitas das bandas que, nos últimos cinco anos, estavam dando forma a um rock brasileiro totalmente diferente do modelo que existiu por aqui em décadas anteriores. Entrando na adolescência, eu me via muito ligado naquilo tudo. O rock era o momento.
Em agosto do mesmo ano, surgia minha segunda grande paixão: a revista Bizz, dedicada à música em geral, mas com foco majoritário no rock. Era anunciada na Globo em comerciais engraçadinhos, protagonizados por Marcelo Tas. As três primeiras traziam Bruce Springsteen, Madonna e Nina Hagen nas capas. A primeira que comprei foi a quarta edição, com Gilberto Gil. Longe demais de qualquer grande centro, onde eu pudesse sintonizar uma FM rockeira qualquer, era impossível reconhecer 95% dos nomes que eu lia nela. Mesmo assim, a Bizz foi, pouco a pouco, tornando-se uma espécie de oráculo musical para mim, moldando meus gostos e minhas opiniões – e isso, em alguns casos, revelava-se um problema que eu demorava a reconhecer. Ao longo dos anos, tive que derrubar muitos preconceitos musicais que eu ergui com ajuda da revista.
Apesar disso, a Bizz mais me ajudou do que prejudicou. Foi por meio dela que conheci vários de meus artistas favoritos até hoje em dia. Seus articulistas eram gente que acabava virando “amigos” distantes para o adolescente solitário e em conflito que eu era. Escrever para ela era um sonho que movia certa ambição minha de ser jornalista (carreira que nunca persegui). Minhas edições eram cuidadosamente dispostas em minha estante e relê-las era um perpétuo prazer. Ela acabou duas vezes: a primeira, em 2001. Depois, voltou para mais uma temporada em 2005, acabando de vez em 2007. Não houve e não haverá revista como a Bizz – até porque, hoje em dia, quem ainda compra revista?
O editor que reabriu e fechou as portas foi Ricardo Alexandre, cuja obra autoral inclui um dos livros que me ajudaram a eleger biografias como meu gênero literário favorito: o ótimo Nem Vem que Não Tem: a Vida e o Veneno de Wilson Simonal. É ele o autor de Dias de Luta: o Rock e o Brasil dos Anos 80, um belíssimo relato da dor e da delícia daqueles tempos em que citar Caetano Veloso, como fiz agora, era um tremendo vacilo. Sua primeira publicação data de 2002, mas a edição que li foi a comemorativa de 10 anos, com novas anotações.
Em mais de 400 páginas, Dias de Luta detalha o clima que reinava no país, naquela virada de década dos 70 pros 80, quando o Brasil aos poucos se abria para o mundo, com uma juventude sedenta por uma renovação cultural que escapasse, com igual desenvoltura, da sanha moralista do governo e do pedantismo que havia tomado conta da MPB “oficial”: como na profética canção de Belchior, os ídolos ainda eram os mesmos, e os mais jovens não se viam refletidos neles.
Acertadamente, o autor estabelece o disco homônimo de Rita Lee de 1979 (aquele com “Mania de Você” e “Doce Vampiro”) como a pedra fundamental da linguagem musical da década à frente e, se você estava vivo então, certamente se lembra do furacão que ele representou. Já a partir de 1980, as coisas começariam a tomar formas loucas e seguir caminhos inesperados, com uma naturalidade contagiante. Em pouco tempo, quando ficou impossível negar a juventude como uma força de consumo, os olhos da indústria se voltariam para o novo rock brasileiro e, para o bem e para o mal, as coisas nunca mais seriam as mesmas.
De Gang 90 & As Absurdettes em 1980 aos Inimigos do Rei em 1989, a linha evolutiva do rock nacional é destrinchada com precisão por Ricardo Alexandre, que destaca, em relatos mais extensos, as bandas e artistas que formaram a linha de frente do rock nacional, como Blitz, Barão Vermelho, Os Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, RPM, Titãs, Ira! e Legião Urbana. Ainda que as frentes carioca (do “rock de bermudas”) e paulista (dos punks e alternativos) tenham predominância, existe espaço para comentar cenas menores, como as de Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte.
As histórias de bastidores e entrevistas ajudam a elucidar episódios que, para mim, ainda eram nebulosos – menos por falta de fontes e mais por mero esquecimento de buscar a verdade – como as razões para o fim da Blitz e para o sumiço da obra de João Penca & Seus Miquinhos Amestrados, e por que tantos artistas de sucesso jamais eram vistos no programa do Chacrinha, entre outros.
As histórias de formação das bandas e os bastidores das gravadoras e shows renderiam (algumas até já renderam) livros à parte, tantos que são os lances de sorte e azar, esperteza e burrice, amor e ódio, ruína e superação. Dias de Luta funciona como um muito eficiente resumo da trajetória de uma geração que, na raça, peitou e subverteu as regras do jogo, criando todo um contexto cultural que se estendeu para muito além da música. De tudo, porém, foi principalmente ela que ficou, e o grande barato da leitura é revirar nossa própria memória e perceber que foi sensacional estar vivo para testemunhar, de perto ou de longe, em tempo mais ou menos real, os impactantes eventos reunidos nestas páginas. Belíssimo livro.
21/07/2025
Música & Mágica #6
Acústico MTV
2000
Música & Mágica é uma seção deste blog dedicada a discos clássicos. Eu tento sempre mantê-la restrita a álbuns originais, mas algumas coletâneas e discos ao vivo acabam tornando-se tão representativos dentro da obra de certos artistas, que fica difícil negar seu status. Foi por esta “brecha na lei” que o Acústico MTV do Capital Inicial ganhou sua vez: ele funcionava muito bem como retrospectiva dos primeiros 15 anos de carreira do Capital e sedimentava a volta à boa forma, alcançada com o álbum Atrás dos Olhos, de 1998. Trouxe algumas das versões definitivas para os clássicos da banda e ótimas novas canções e participações especiais, fazendo sucesso avassalador.
Um pouco de contexto: exceto pelo primeiro álbum, quando “Música Urbana” era escutada em toda parte, o Capital Inicial (Dinho Ouro Preto, Lôro Jones, e os irmãos Felipe e Flávio Lemos) não conseguiu mais furar a bolha da “série B” do rock brasileiro. Nenhum hit posterior, como “Independência”, “Fogo” ou “Mickey Mouse em Moscou”, repetia aquele êxito ou, muito menos, colocava o Capital em pé de igualdade com outras bandas nacionais em grande momento criativo naquela virada dos anos 80 para os 90, como Titãs e Paralamas do Sucesso.
Muito disso vinha do fato de que personalidade não era o forte do som do Capital Inicial. Até que Dinho Ouro Preto começasse a cantar, uma música deles podia estar tocando e dificilmente alguém diria “isso parece Capital Inicial”. A cada disco, a banda era espinafrada pela crítica musical – e eu, que nunca fui muito fã, cedia ao alerta de prevenção e mantinha distância segura. Em 1992, o tecladista Bozo Barretti (agregado em 1987) deixou a banda. Pouco depois, foi a vez de Dinho abandonar o barco e tentar carreira solo. O Capital chegou a gravar um álbum, Rua 47, com um novo vocalista, Murilo Lima. O impacto foi zero.
A maré virou quando a formação original se reuniu e gravou Atrás dos Olhos – de fato, um belo disco, maduro e bem-produzido. “O Mundo” e “Eu Vou Estar” foram hits, e o Capital foi convidado a gravar seu Acústico MTV, um formato que, celebrando 10 anos na MTV Brasil, já dava sinais de desgaste, mas ainda funcionava – e, caramba, como funcionou para o Capital! Os números definitivos nunca foram divulgados, mas o CD recebeu disco de platina triplo. Por conta da pirataria, as vacas eram tão magras naquela virada de século que bastava vender 100.000 cópias para receber um disco de platina, mas não seria surpresa se os números estivessem muito acima dos 300.000, porque onde quer que se fosse, ali estava tocando uma música do álbum. Uma altamente improvável “capitalmania” assolou o país.
O sucesso veio por indiscutível mérito: o formato acústico deu novo frescor ao repertório da banda e as músicas inéditas escolhidas tinham potência e gancho pop. Como bons punks, o Capital abriu mão da pompa de violinos ou metais. Ao de Lôro Jones, foram acrescidos os violões de Kiko Zambianchi e Marcelo Sussekind (que também toca slide guitar e produz o disco). Aislan Gomes ficou com o órgão Hammond e Denny Conceição com a percussão. A única convidada especial do disco, Zélia Duncan, toca bandolim na bonita "Eu Vou Estar". Os arranjos enxutos e precisos foram coroados com a ótima performance vocal de Dinho (que não perdeu, mas aprendeu a dosar melhor os cacoetes que irritavam seus detratores).
O disco abre com uma bela versão desacelerada de “O Passageiro”, cover de “The Passenger”, de Iggy Pop. Em seguida, “O Mundo” (um clássico instantâneo composto por Pit Passarell) explode com pegada forte e arrepiantes riffs de Hammond. A primeira inédita, “Tudo que Vai”, é uma pepita pop de alto quilate, parceria de Alvin L. com Dado Villa-Lobos e Toni Platão, com caprichadíssima entrega de Dinho.
A leveza acústica trouxe à tona belezas antes escondidas em arranjos confusos ou equivocados, caso de “Independência” e “Fogo”. A segunda inédita, “Natasha” é uma bobagem sobre uma garota “rebelde” que parece ter saído de algum túnel do tempo, vinda dos anos 80, mas é tocada com tanto tesão que a gente até esquece o quanto aquele “feminismo” é anacrônico.
O maior sucesso do disco, porém, não foi uma música do próprio Capital: “Primeiros Erros (Chove)”, clássico de Kiko Zambianchi, viu-se apropriada pelos brasilienses diante de seus olhos e com sua luxuosa ajuda, sendo ouvida em toda parte e a todo instante.
A trinca que encerra o disco são canções da Aborto Elétrico, banda punk da qual se originaram o Capital e a Legião Urbana. As antes polêmicas e censuradas “Fátima” e “Veraneio Vascaína” puderam ser melhor apreciadas em tempos mais tolerantes, apesar de as provocações soarem bem mais ingênuas para o homem à beira dos 30 que eu era naquele ano 2000 – imagine hoje. O disco chega ao fim, claro, com “Música Urbana”, seu primeiro sucesso, fechando um ciclo de 15 anos com rápida ascensão, prolongada queda e inesperada ressurgência.
O apogeu viria numa consagradora apresentação no Rock in Rio de 2001, diante de 250 mil pessoas. Hoje em dia, o Capital segue colhendo os louros (e os lucros) do Acústico, com uma turnê que celebra os 25 anos do disco. Para mim, depois dele, rapidamente voltaram a ser aquela banda que lança um monte de discos que não colam nos meus ouvidos – mas, tudo bem. Por terem protagonizado uma das voltas por cima mais sensacionais que já testemunhei, o Capital tem meu respeito, ainda que respeito seja a última coisa que um punk de verdade espere ou ofereça.


















