27/02/2024

A Nova Vida de Toby


Meu amigo mineiro pero no mucho Mauro Ellovitch (promotor de justiça, ocasional articulista da Gracie Magazine, podcaster gibizeiro e, nas horas vagas, samurai rock’n’roller) costuma dizer que “casar é pouco melhor do que morrer queimado”. Bem-casado e pai feliz de duas meninas lindas, Mauro está, obviamente, apenas brincando quando compartilha tal pérola de “sabedoria”. Penso que é apenas o modo que ele acha de lidar bem-humoradamente com o fato de que o casamento cobra do homem uma mudança de hábitos que, para alguns, pode não ser das mais fáceis de atingir.

O hepatologista Toby Fleishmann (Jesse Eisenberg), por algum tempo, achou que o amor não era para ele. Nada durava, até que conheceu Rachel (Claire Danes), apaixonou-se perdidamente e casou-se com ela – de quem, agora, está se divorciando. Recém-quarentão e “na pista”, Toby agora usa o Tinder e está conhecendo um sucesso sexual do qual não desfrutou na juventude. Ele tem até tempo para estar com os melhores amigos, Seth (Adam Brody) e Libby (Lizzy Caplan), que há tempos não encontrava. É esta última quem narra a história.


A Nova Vida de Toby passa ao espectador a impressão inicial de ser uma “dramédia” leve sobre suas novas aventuras amorosas, com Toby fazendo o que pode para conciliar a vida de descasado, o trabalho médico que ama e realiza com idealismo, e a guarda dos filhos, compartilhada com Rachel – numa divisão nada justa, pensa ele. Com sua ambição desmedida, Rachel devota praticamente todas as horas do seu dia ao trabalho como agente artística.

Um dia, Rachel some do mapa. Sai para trabalhar e não volta mais. Não atende ligações, não responde mensagens. O tempo passa, e dizem que não ter notícias é uma boa notícia. Então, depois de um período de desespero, Toby aceita que Rachel não vai mais voltar e precisa tocar a vida sem ela – e a gente, conhecendo apenas seu lado da história, dá a ele razão quando, desde o começo, pintava a mulher como uma megera ambiciosa e insensível. Recorrendo a meu amigo Mauro mais uma vez, Toby “morreu queimado”, mas vai melhorar.


Porém, como dito num provérbio chinês e numa canção do Skank, “tudo tem três lados”: a sua versão, a minha versão, e a verdade. Se o caráter aparentemente impoluto de Toby (bom marido, pai, amigo e profissional) começa a apresentar rachaduras, afetando muita gente em seu redor, fica claro que não fomos apresentados a todos os fatos. Quando finalmente a verdade se apresenta (ou, pelo menos, uma nova versão dela), o efeito é devastador – para essas pessoas todas e, mais ainda, para quem assiste.

Se o seu alarme interno contra “filme de suspense do Supercine” foi acionado, desarme. Toby não é um psicopata, mas um casamento quase nunca acaba por culpa de apenas um dos envolvidos. Um tema central da série é justamente essa mania que temos de julgar sem conhecer todos os fatos. É a cultura do cancelamento aplicada na prática. Todos nós cometemos erros e temos direito à defesa e ao arrependimento (a menos que você seja neonazista; neste caso, você só tem direito a um nocaute por jab).

Jesse Eisenberg tem carisma e faz boa caracterização de Toby (um tipo mais complexo do que parece), mas é Claire Danes quem mais nos afeta. Nosso rancor, nossa desconfiança, nosso ódio, até – é tudo para ela. A certa altura, porém, ela põe esses sentimentos todos de volta em nossas mãos, feios e retorcidos, e a gente não sabe direito o que sentir ou pensar, exceto “que atriz!”.

Com seu bom humor (sim, existe humor aqui, pois nem tudo na vida é desgraça ou D.R.), suas discussões bem pé-no-chão sobre o fim da juventude, o nascimento e a morte do amor, a mentira e a verdade, numa trama que dá seguidas rasteiras nas nossas expectativas (inclusive e principalmente, as românticas), A Nova Vida de Toby provou-se uma bela surpresa no catálogo do Star+.

Um comentário:

doggma disse...

Não tenho muitos gatilhos, mas ver o nome Claire Danes ao lado do sobrenome Brody certamente é um deles (Homelandmaníacos entenderão). E curioso ver que o Adam Brody pegou mais um Seth na carreira. Parece que foi ontem que ele estava no topo da nerdsfera por The OC.

Filmes sobre relações de longo termo, tipo História de um Casamento, geralmente me dão uma exaurida, mas esse parece meio fora da caixinha. E o Eisenberg costuma ter uma escolha interessante de projetos. Assisti aquele Vivarium outro dia e ainda estou procurando o caminho de casa...

Adorei a resenha e a dica. Vou caçar.